terça-feira, 15 de setembro de 2015

Discute-se, sim!

Reproduzo o texto do professor Eloésio Paulo, Doutor em Letras pela Unicamp, professor da Universidade Federal de Alfenas (MG) e autor do livro Os dez pecados de Paulo Coelho (Ed. Horizonte).
"Em Roma se dizia: De gustibus non est disputandum. Todos conhecem o ditado, sempre usado para justificar todo tipo de ignorância e burrice. É uma evidente manifestação de obscurantismo considerar que algo possa estar acima de discussões, num mundo em que mesmo morais e religiões se tornam cada dia mais relativas e num país onde qualquer um pode xingar a mãe do presidente no meio da rua. Não adianta, mas pode. 
Defender a soberania do gosto individual é postular a renúncia de todos a compartilhar suas experiências. Teoricamente é possível haver tantos gostos como indivíduos. Apesar de muitos acharem isso politicamente incorreto, ainda existem pessoas que ensinam e pessoas que aprendem. E, assim como há alguns mais inteligentes ou mais honestos que outros, há também os que têm a sorte de ter nascido com maior sensibilidade e/ou de ter obtido, por meio da educação ou do convívio social, um gosto musical, por exemplo, mais apurado.
Pelo que se pode ouvir no rádio, na TV e em tudo que os ecoa, as pessoas capazes de ouvir música são uma espécie em extinção.
Mas o que vem a ser um gosto apurado? A palavra tem dois significados principais: purificado e aprimorado. O problema seguinte é estabelecer os critérios que balizam a diferença entre bom e mau gosto. Isso para quem não quer gastar seu preciosíssimo tempo lendo Kant e outros desocupados que se ocuparam da questão.
Como muitas coisas que parecem complicadas, no fundo a questão é muito simples: reduz-se ao binômio informação/desinformação. A capacidade de julgamento de alguém, em qualquer assunto, torna-se respeitável a partir do conhecimento que essa pessoa detém sobre aquele assunto. Não necessariamente um conhecimento formal, mas um repertório (atenção à palavra: repertório!) suficiente para permitir comparações. Em literatura, fica mais fácil perceber a grandeza de Machado de Assis comparando-o com Dostoiévski. Antes, é claro, precisa-se ler ambos.Q
ualquer indivíduo cujo aparelho auditivo funcione bem pode compreender inteiramente o caráter escatológico, digamos, de Bruno e Marrone (o exemplo rapidamente se deteriora, uma vez que os boqueteiros culturais lançam sucessivamente suas pragas com a velocidade das mamães camundongo). Basta poder compará-los a Plácido Domingo, João Gilberto ou Billie Holliday – aqui tomados como índices quase aleatórios de qualidade vocal, não ícones de valor absoluto. Quais podem ser os termos da comparação? Ora, são os elementos que compõem uma estrutura musical e sua manifestação propriamente acústica: melodia, harmonia, ritmo, estilo interpretativo. Exclua-se a beleza física e a roupa que a cantora use, ou não use, já que isso o ouvido não capta e, portanto, não pode ser considerado música.
Como escreveu J. Moraes num livrinho muito simples intitulado O que é música, o problema é que muita gente não ouve com os ouvidos e sim com outras partes do corpo. Se o som não passa de um pretexto para atividades correlatas ao impulso inconsciente de transmitir o próprio patrimônio genético, não se trata exatamente de música.
Assim como não se pode esperar espírito aberto da parte de um torcedor ou religioso fanático, também não se pode imaginar que um devoto de tal ou qual cantor se disporá a discutir as bases de sua devoção, a qual, aliás, costuma mudar assim que determine a agenda do Faustão ou o calendário de festas juvenis. Sim, algumas dessas devoções persistem por muitos anos, mas só quando o devoto apresenta qualquer paralisia no desenvolvimento da personalidade, por algum motivo estacionado afetiva e intelectualmente nas alturas da puberdade.
Mas por que as escolas e a imprensa, que discutem a qualidade do ar que respiramos e a do leite que bebemos, dão como certa a normalidade do gosto musical vigente? A função dessas instâncias legitimadoras é mostrar às pessoas todos os ângulos da realidade. Por isso tal discussão deveria ser constante nestes tempos em que a industrialização desenfreada de estruturas musicais bisonhas é o instrumento privilegiado de nivelamento intelectual da juventude. Nivelamento por baixo, e, o que é pior, acompanhando pela imensa maioria dos adultos. Nada é mais eficiente que esses produtos primários, associados ao brilho enganoso das imagens televisivas, para formar e manter indivíduos acomodados ao papel de consumidores dóceis e previsíveis. É preciso lembrar que isso se estende à qualidade mental do exercício da cidadania, uma vez que os políticos já há muito se apresentam descaradamente como produtos sem qualquer lastro que não a exposição midiática, a manipulação de sua imagem de maneira a satisfazer a expectativa simbólica da maioria esteticamente desinformada e existencialmente desesperada. O tripé rádios/gravadoras/redes de TV é a fábrica de mitos de uma cultura que se desintegrou por privilegiar os objetivos lucrativos em detrimento de outros, possíveis porém mais difíceis de processar.
Para compreender o quanto pode a música é preciso ter alguma disposição para informar-se ao menos um pouco acerca da natureza da arte, e mesmo das circunstâncias históricas de sua industrialização. E quantas escolas se encarregam de mostrar a seus alunos que a história da arte não começou com Chitãozinho e Xororó? Quantos professores estão aparelhados para discutir noções básicas de estrutura musical ou, mais simples ainda, a originalidade das letras de canções?
A inteligência ainda é o melhor guia. Qualquer pessoa armada de disposição, gastando algumas horas do seu tempo livre para conhecer diversos estilos de música, perceberá facilmente: o que toca no rádio, na TV e nas instâncias que os ecoam é puro lixo e seus produtores não ganham fortunas por acaso, pois executam muito bem o serviço de enquadrar o produto musical em fórmulas compreensíveis por qualquer ameba; além disso, desempenham em tempo integral o papel de animadores de si mesmos, não raro com o auxílio de um certo pó branco. Já para ouvir Mozart, jazz ou canções populares produzidas fora do círculo do boquete cultural, é necessário ter um mínimo de informação e sensibilidade. Quem não conhece amplamente uma gama de fenômenos é bem capaz de pensar que só existem aqueles poucos que cabem no próprio entendimento. Ou: se a burrice é o oxigênio que se respira, logo deve ser a normalidade.
Deve ser por isso que o estudo da história tem tão pouco prestígio nas escolas. Conhecer o passado é a maneira mais segura de testar a pretensa normalidade do presente.
A propósito de Mozart, já foi demonstrado em pesquisas confiáveis que ouvir suas composições ajuda a desenvolver a inteligência lógica. O cérebro, por assim dizer, absorve por osmose as estruturas lógicas de pensamento que subjazem à música mozartiana. Imagine-se o efeito contrário para os ouvintes de tatibitates com grau protozoário de elaboração. Há quem nem desconfie disso, mas a música, além de expressão da sensibilidade, é matemática. Muito coerente um garoto detestar tabuada e adorar hip-hop.
Existe uma velha piada sobre a maneira certa de diferenciar um gato de um tijolo: jogue os dois na parede, o que miar é gato. O mesmo raciocínio vale para a música: ouça Jesus, alegria dos homens, de Bach, ou uma daquelas interpretações que justificam comparar Elis Regina a Ella Fitzgerald; depois, contraponha a qualquer desses clones anticulturais que se sucedem de dois em dois meses no pódio da evidência boqueteira. Finalmente, responda em segredo, só para si mesmo: não existe algo de muito errado com quem diz que essas porcarias são música? 
A mesma razão pela qual devemos, se possível, avisar a um amigo que ele está prestes a ser atropelado manda quem ainda tem ouvidos tentar mostrar, à maioria ensurdecida, de onde vem a música. A realidade é um duro encargo para quem dela toma conhecimento; acarreta a responsabilidade de lutar contra a incapacidade alheia de percebê-la. Dá muita vontade de ficar quietinho ouvindo o que gosto de ouvir. Mas o ruído é demasiado."
Sou tentado a dizer que esse texto é definitivo. Para quem tem cérebro de pensar...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O que é ser de esquerda hoje?

Reproduzo o excelente texto do jornalista Matheus Pichonelli, do Yahoo, do dia 5 de novembro de 2014. Diante do bombardeio que sofre o atual Governo de setores da Imprensa, quando se é questionado e criticado sobre posicionamentos o tempo todo, o artigo expõe o que se espera de um cidadão diante da crise (real ou imaginária).
"A eleição de 2014 parece ter dado um nó na cabeça de meio mundo. Meio mundo literalmente. Na campanha, o candidato favorito de certa Direita – a que faz troça sobre política distributiva e pede a construção de muros para anular desigualdades – tinha como compromisso a manutenção e o aperfeiçoamento dos programas sociais. Derrotada nas urnas, parte dos eleitores, com o calendário de 1963 colado na parede, pediu socorro aos militares e aos EUA – onde, por acaso, o presidente se bateu para universalizar o acesso à saúde pública e é chamado de comunista. Tomou dois sonoros “pedala”.
O nó ficou maior quando a candidata de Esquerda recém-reeleita passou a busca no mercado um nome para compor seu Ministério da Fazenda. Ou quando o seu Banco Central, e não o dos adversários, elevou a taxa básica de juros para frear a inflação. A mesma presidenta, ao voltar de férias, teceu elogios ao neoaliado PSD, partido criado por Gilberto Kassab, que já declarou não ser nem de Direita nem de Esquerda nem de centro nem muito pelo contrário.
Os sinais trocados são amostras de um período que, na melhor das hipóteses, dissolve a narrativa entre progressistas e conservadores, e, na pior, coloca Esquerda e Direita no mesmo balaio. A sensação é enganosa, e demonstra a urgência de se definir posições para além dos rótulos.
Há, na literatura política, um ensaio importante de Norberto Bobbio sobre essa dicotomia. Para ele, o ponto de ruptura encontra-se na diversidade dos modos de encarar a questão da desigualdade social e de traçar seus diagnósticos e prognósticos.
Nesse sentido, a última eleição foi peculiar: se entre os candidatos as propostas eram irritantemente parecidas, entre os eleitores a dicotomia se radicalizou e consagrou estereótipos. De um lado, colocou conservadores, moderados, liberais, alienados e reacionários no mesmo barco – o que é um grande erro. De outro, transformou qualquer militante de Esquerda em um jovem com a camisa do Che Guevara, ideias ingênuas sobre a bondade dos homens e cínico o suficiente para pedir a democratização da mortadela enquanto come caviar. O repertório do deboche, cada vez mais pobre, tornou ainda mais difícil a tentativa de posicionamento, quase sempre contestada sob os selos de “coxinha”, “reaça”, “golpista”, “bolivariano” ou “chapa-branca”.
Não sei exatamente como a Direita fará para se posicionar dentro do campo e mostrar, por exemplo, que os integrantes da marcha-a-ré, que já pedem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e levantam a bandeira da intervenção militar, falam por si e não pela oposição. Mas as perguntas são legítimas: estar à direita, hoje, é rejeitar a criação de conselhos populares, pedir o retorno ao nosso período mais obscuro, ouvir o Lobão, contestar o sistema de votação (o mesmo que, no estado mais rico, elege o mesmo partido para o mesmo posto há exatos 20 anos) e colocar em dúvida a independência dos Três Poderes? É contestar os mecanismos de aperfeiçoamento da democracia usando países vizinhos como régua para confundir alhos, bugalhos, contextos e experiências?
A resposta está em aberto, mas não creio que a Esquerda esteja livre de questionamentos similares. Caso contrário ela será confundida, a partir da campanha, como um espaço propício aos adeptos do culto à personalidade, que fingem não ver a parte vazia do copo meio-cheio e ajudaram a transformar a eleição presidencial numa grande gincana do Xou da Xuxa, quando meninos torciam pelos meninos e meninas, pelas meninas.
Por isso é preciso, para além dos estereótipos, deixar claro o que é ser Esquerda hoje. A se fiar pelas manifestações pré e pós-eleição, cabe à Esquerda, por exemplo, se contrapor ao delírio coletivo com uma bandeira aparentemente simples: a consciência histórica, ferramenta básica para entender contextos e refutar apelos a experiências autoritárias de um passado mal esclarecido. A Esquerda que eu conheço, afinal, não tem saudade de tempos remotos. O que para muitos era paz e tranquilidade no passado, para a Esquerda era genocídio indígena, escravidão e opressão.
Diferentemente dos saudosos do regime civil-militar, a Esquerda que eu conheço, com a qual me identifico e sempre me identificarei, apoia as comissões da verdade, para que as atrocidades não voltem a acontecer. E não, a Esquerda que eu conheço não ignora as atrocidades dos regimes comunistas e não milita em sua defesa. Não relativiza os crimes de Stálin nem coloca Fidel Castro entre Cristo e o Império. Ela tem a plena noção do anacronismo de um regime fechado, boicotado e sufocado – e a solidariedade com a população local não a impede de rejeitar os convites para se mudar para lá de mala e cuia. Nem de aceitar a sua ajuda no atendimento básico em nossos rincões desprezados pelos doutores locais. O que não faltam são motivos para ficar.
A Esquerda que eu conheço não tem saudade de quando podia trocar migalhas por serviço braçal, e isso confere a ela uma outra diferença básica em relação à Direita: ela é menos apegada a alguns imperativos aparentemente inegociáveis. Por exemplo, a maioria deles não quer ser servida por empregados. Não quer enriquecer. Não quer morrer sufocada na mesma empresa. Não quer se enforcar para pagar o carro ou a viagem do ano. Carro, aliás, não é assunto nem fetiche: é um meio. Um meio, se possível, dispensável. Assunto mesmo é espaço público, direito à cidade, humanidade das calçadas. Por isso seus militantes vão às ruas quando o sistema de transporte coletivo falha ou quando ciclistas são atropelados como se fossem papel. Não significa que não gostem de carros nem de viagens nem de bons restaurantes: apenas querem que todos caminhem e que todos se alimentem. Privilégio, para eles, é ofensa, não meta de vida. Segurança não é paranoia para justificar a própria demofobia. Ou a misoginia. E pessoas não valem menos do que oportunidades de negócio.
Os meus amigos da Esquerda se questionam o tempo todo sobre seu trabalho. Questionam se estão fazendo a coisa certa, no tempo certo, por que e para quem. Meus amigos têm dúvidas. O trabalho não é o meio para a auto-consagração; é um meio para mudar, se não o mundo, a cidade, o bairro, o quarteirão, a casa. Eles não querem apertar o botão na fábrica para construir o sapato. Querem saber para onde vão os sapatos e quais os impactos da fabricação dos sapatos ao seu redor. Meus amigos de Esquerda não veem necessidade de optar entre desenvolvimento e mundo sustentável: eles sabem que sem este último não haverá outra opção. Para além do lucro imediato, sabem que a destruição das florestas é a explicação direta para os períodos de estiagem, e não a má vontade dos santos.
A Esquerda que eu conheço não está satisfeita com o mundo que recebeu nem quer pegar em armas para que tudo fique como está. Ficar como está significa prender alguns e libertar outros; enriquecer outros e dilapidar uns. É aceitar um país branco nas escolas e universidades e um país negro e moreno em roupas de empregado. É aceitar, sobretudo, as roupas de empregado. É aceitar que só alguns podem andar de mãos dadas com quem quiser e onde quiser. É aceitar que só alguns podem ser levados a sério no trabalho. E que só alguns, e não algumas, podem circular nas ruas sem risco de ter o corpo dilapidado.
A Esquerda que eu conheço é a Esquerda que respeita as minorias. Que levanta as bandeiras LGBT. Que desconfia da paz selada pela bala de borracha no centro ou pelas balas de verdade nas periferias. Que vê a dependência química como questão de saúde pública e não de polícia. Que não aceita intervenção de Estado e Igreja em corpos alheios – e sabe que corpos alheios são corpos alheios, e não propriedade. Que aceita a liberdade de credo e não de ódio. Que não aceita troça sobre crença, postura ou desejo. Que vê a vida como algo mais tênue, mais tenso e mais intenso do que simplesmente prosperar, construir muros, garantir o seu, apodrecer. A vida, para eles, pode e deve ser mais interessante do que viajar para a Disney e tirar fotos com o Pateta.
São muitos os pontos, e este post não tem a menor pretensão de servir como manifesto. É só uma reação à tentativa de transformar projetos de vida em sentidos pejorativos ou autoritários. Diante da Direita enlouquecida, que na falta de argumento começa a ver fantasma debaixo da cama, é dessa Esquerda que espero luminosidade. Essa luminosidade não virá com berros, sofismas, reducionismos, intolerância, provocações ou convite para pegar em armas. Os golpistas são os mesmos, mas os tempos são outros. Ser Esquerda hoje é, sobretudo, compreender o contexto. Mas é também não se conformar. Enquanto houver tanta assimetria entre iguais, haverá pouco a comemorar e muito a ser feito. A começar dentro de casa."
Para se refletir.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Trecho de No Caminho dos Martírios



Após a travessia, os dois continuaram sua rotina. Às vezes era uma mata fechada, outras uma savana, outras uma mata rala. Todavia, cruzavam sempre com trilhas de índios. Algumas vezes chegavam a avistar alguns e, então, ficavam imóveis.
Ramiro descobriu que o tempo exposto ao sol fizera com que as peles que lhes cobriam os corpos e os banhos mais freqüentes devido à abundância de água tinham amenizado muito o fedor de seus corpos e já não corriam tanto perigo quando da primeira vez que viram os nativos depois de Martírios.
Ramiro tinha definido que deveriam seguir algum tempo para sudeste, sabendo que em algum lugar ali deveria ficar o arraial do Duro (*). Só não sabia a quantos dias de caminhada. Do mapa do garimpeiro, ele já nem se lembrava mais.
Após algumas semanas chegaram ao sopé de uma serra que se estendia para norte e sul a perder de vista. Ramiro apontou para o alto.
– Vamos subir. O Duro deve ficar a sudeste. Chapada fica a sudoeste, mas eu não me lembro quem está mais perto. Prefiro ir na direção do arraial do Duro. Então, se formos contornando a serra acabamos voltando para o rio ou passamos direto pelo único lugar que deve ter algum branco morando.
Tomé nada disse. No meio das árvores esparsas, onde o facão era dispensável, ambos foram subindo o ligeiro aclive, agarrando-se aos troncos mais finos de árvores pequenas e alcançaram o cume da serra e viram-se no alto de um planalto imenso, do qual se destacava um ou outro morro ao longe, vales que recortavam o relevo irregularmente.
Os dois sentaram-se num lugar elevado para admirar a paisagem, enquanto aquilatavam o trabalho que ainda tinham pela frente. Onde, em meio àquela imensidão verde-amarelada, haveria um povoado no qual poderiam descansar e seguir depois, seguramente, para suas casas? Sem resposta, colocaram seus fardos às costas e seguiram em frente.

***

Depois de alguns dias seguindo para sudeste, Ramiro determinou que deveriam seguir sempre para o sul dali por diante. Com alguma sorte, poderiam chegar a alguma estrada feita por brancos e que conduzisse a um povoado qualquer, fosse qual fosse.
O cardápio dos dois homens variava a cada dia. Sem noção de tempo, não sabiam em que estação estavam. Já não chovia fazia dias, mas não tinham condições de saber se era inverno, ou primavera, uma vez que as noites eram de temperatura amena, com os dias de calor infernal.
Uma vez, andaram por alguns dias sem encontrar água. A reserva que tinham acabou-se pelo segundo dia e a esperança de acharem algum ribeirão pela frente não se confirmou. Assim, caminharam sob o calor escaldante da região sem acharem uma só gota.
Ao final do segundo dia sem água, ambos estavam exaustos e procuravam em cada fresta de vegetação avistar algum brilho que pudesse significar a presença do líquido essencial. Mas, nada! Tudo o que viam era um verde que lhes parecia tedioso, mas que em outras circunstâncias, seria maravilhoso. Insetos circundavam-nos o tempo todo. Com o peso do ouro, cada passo era uma batalha vencida.
Caminhavam dificultosa e desanimadamente, quando Tomé ergueu a cabeça ligeiramente.
– Capitão! Vosmecê está escutando?
– O que, Tomé?
O mineiro não disse nada apenas escutava. Por fim, apontou para um lado.
– Por ali.
Tomé foi afastando os galhos e Ramiro, que em princípio nada ouvira, agora escutava claramente. Deixando o ouro para trás, os dois venceram algumas dezenas de metros para sair num local que era a visão do céu.
Despencando de uma altura de várias dezenas de metros, uma queda d’água descia do alto de um rochedo encravado na serra, formando um poço na base da pedra.
Os dois homens não pensaram duas vezes. Correram até ali e saciaram a sede torturante. Depois, tiraram suas roupas improvisadas e mergulharam na água fresca e revigorante.
Sentiam que a Natureza dava-lhes uma trégua. Era tudo o que precisavam. O poço era bem melhor que qualquer simples riacho no qual se banharam nos últimos meses. Deram-se ao luxo de ficar ali até o fim do dia. Retornaram até o local onde ficara o ouro, levaram-no até a cachoeira e dormiram até o dia seguinte, consolados e ninados pelo som da altíssima cascata.
 (*) (Dianópolis-TO)

No Caminho dos Martírios

No Caminho dos Martírios ganhou o prêmio Hugo de Carvalho Ramos, principal concurso literário de Goiás, em 2010, promovido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás, e patrocinado pela Prefeitura Municipal de Goiânia. Martírios foi escrito em pouco menos de 30 dias, entre maio e junho do mesmo ano.
O tema foi recomendado pelo meu amigo escritor Itamar Pires. Curiosamente, a sugestão me foi dada logo após eu vencer o mesmo concurso em 2003, com A Batalha de Poitiers. Na ocasião, o Itamar me propôs escrever uma história sobre Goiás, ao que eu argumentei que meu interesse eram romances históricos e o Brasil, mesmo no Século XIX, era subpovoado e eu não tinha intenção de escrever uma história em que só tivesse “índios e mato”, enquanto a Europa já era uma sociedade madura desde os tempos de Cristo. Reconheço que fui preconceituoso, mas era o que eu pensava. Ele então me contou por alto sobre a lenda de Martírios. Eu sugeri que ele escrevesse a história, mas disse que não era sua área. O Itamar é um ótimo escritor de livros contemporâneos, com alta dosagem psicológica em seus dramas. Assim, a ideia ficou incubada.
Em 2010, resolvi escrever um novo romance e, se possível, ganhar novamente o Hugo de Carvalho Ramos. Para tanto, pensei, nada melhor que um romance histórico sobre Goiás. E resolvi escrever a história sobre Martírios. Logo que iniciei as pesquisas, eu concluí que me enganara redondamente sobre a História de Goiás. A riqueza do material que se me apresentou foi uma gratíssima surpresa.
A História desse Estado é linda! Os homens que o colonizaram (independentemente da releitura que se faz sempre da História) se me afiguraram como titãs. Somente a ideia de que eles cortaram o sertão à base de facão é espantosa! Quem já teve a oportunidade de ver o que é o cerrado denso, o chamado “mato grosso”, pode ver que era um trabalho absurdamente difícil.
Desta forma, foi um prazer enorme escrever a história, tanto que o fiz num tempo bem curto (A Batalha também foi assim).
No Caminho dos Martírios conta a história de um poderoso fazendeiro de Goiàs, capitão Ramiro, que alia-se a uma das expedições que tentaram achar o local fabuloso e, enfrentando as forças da Natureza, ele acaba encontrando o seu Destino.
No Caminho dos Martírios tem prefácio, capa e editoração gráfica de Itamar Pires, 218 páginas e foi editado em fevereiro de 2012.
Segue abaixo a introdução, de minha autoria:
Em 1682, as bandeiras de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, e Manuel de Campos Bicudo encontraram-se no interior das terras dos Goyases, às margens de um rio perdido no meio de uma floresta habitada por índios selvagens e animais carnívoros. Eles se depararam com uma imensa rocha, cuja forma se assemelhava a uma coroa de espinhos como a que teria envergado Jesus Cristo, bem como inscrições e desenhos que lembravam os instrumentos do flagelo de Nosso Senhor. Por isso deram o nome ao local de Martírios.
Na expedição do Anhanguera estava seu filho de mesmo nome, Bartolomeu Bueno da Silva, então com cerca de 14 anos de idade. Na expedição de Bicudo estava seu filho, Antônio Pires de Campos, o futuro Pai Pirá, mais ou menos da mesma idade do Anhanguera filho. Ambos relataram posteriormente que se divertiam colhendo pedras roliças de ouro bruto para brincar com elas.
Quarenta anos depois, o Anhanguera Filho retornou ao sertão das terras dos Goyases perseguindo a visão feérica do local que marcou inolvidavelmente seus olhos de adolescente. Vasculhou os sertões por três anos e dois meses sem conseguir acertar com o fabuloso lugar. Por fim, fundou e fixou-se no arraial da Barra, dando origem ao Estado de Goiás.
Esta foi a raiz da lenda do maravilhoso local onde o ouro brotaria do chão. Cinco expedições, pelo menos, foram organizadas para encontrá-lo, sem sucesso.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Dilma em ação

Reproduzo o texto do sociólogo Marcos Coimbra, presidente da Instituto Vox Populi in Carta Capital de 03 de fevereiro de 2013.

"O comportamento de nossas oposições é, às vezes, francamente infantil. Parece-se com as crianças pequenas que gostam de atazanar os coleguinhas maiores com chutes, beliscões e xingamentos. E que choram quando os grandes reagem e lhes dão um chega pra lá.
Acabamos de presenciar uma dessas situações. Nos últimos dias, o que mais se ouve são as queixas oposicionistas contra o protagonismo adotado por Dilma Rousseff em seu pronunciamento a respeito das questões energéticas e da redução das tarifas de eletricidade.
As oposições não gostaram do discurso. Seja na nota oficial do PSDB, seja nos editoriais da imprensa oposicionista ou nas “análises” dos entendidos recrutados por elas, disseram-se indignadas com o conteúdo e a forma da manifestação.
O mínimo que afirmaram é que, ao convocar cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar as posições do governo, a presidenta havia se aproveitado das prerrogativas do cargo e feito campanha em favor da reeleição.
Supor que Dilma tenha resolvido se pronunciar em busca de dividendos eleitorais é ignorar quem ela é. Aqueles que a conhecem sabem: em condições semelhantes, ela diria exatamente o mesmo, ainda que não cogitasse se candidatar a nada. Sabem também que seria improvável que ela permanecesse indefinidamente calada, ouvindo o que andou ouvindo.
Quando o grande plano das oposições para voltar ao Planalto fez água, elas passaram a se dedicar a outra estratégia. A espetacularização do julgamento do “mensalão” não causou os danos que esperavam na imagem do PT, como ficou evidente à luz de seu desempenho na última eleição e perante o favoritismo dela e de Lula nas pesquisas sobre a sucessão em 2014.
O antipetismo teve de mudar o alvo.
As oposições parlamentares e extraparlamentares dirigiram suas baterias contra Dilma, querendo desmoralizar o governo. Tudo se tornou pretexto para acusá-lo. A elas, a rigor, nunca importou a razão de cada crítica, se o avaliavam mal por considerá-lo ignorante, incompetente, corrupto ou qualquer outra coisa. O que buscavam era sempre ter uma denúncia para incomodá-lo.
Bateram no governo sem parar. Os articulistas e comentaristas da “grande mídia” fizeram a festa, espicaçando-o pelo que fazia, pelo que deixava de fazer e pelo que nem estava em seus planos. O retardo das chuvas de verão veio a calhar. Sentiram o gosto da vitória que poderiam ter sobre a presidenta, que se orgulha de conhecer o setor elétrico. E acreditaram que se desforrariam: após o vexame do apagão tucano, o PT amargaria o seu.
A presidenta cumpriu com seu dever ao falar diretamente ao País. Depois de três meses de bombardeio negativo, em que os esclarecimentos dos responsáveis mereceram espaço minúsculo na mídia, cabia a ela apresentar a versão do governo.
O pronunciamento foi em tom político, coisa que não é comum em Dilma, que prefere falar de maneira técnica.
Dá-se o caso que o tema já estava politizado e que seria difícil tratá-lo de outra maneira. Para esclarecer o que pensava, ela tinha de dizer por que discordava da oposição.
Não deixam de ser curiosas as expectativas que alguns setores da sociedade têm em relação ao PT e suas lideranças. O que consideram normal nos políticos da oposição torna-se pecado quando vem de um petista.
Os pesos e as medidas são completamente diferentes para os dois lados.
Receber e não declarar recursos para fazer campanha? Nomear correligionários para cargos públicos? Indicar aliados para funções na administração? Tudo isso é regra no sistema político brasileiro. Mas estaria proibido ao PT, que deveria amarrar as mãos e assistir aos adversários fazerem o que apenas a ele é vetado.
Dar a outra face quando atacado? Nenhum faz isso, a começar por alguns dos mais ilustres representantes do oposicionismo, que são incensados quando se mostram duros e até vingativos (ou alguém se esqueceu de quem é e como atua José Serra?). Mas Dilma teria a obrigação de apanhar calada.
O fato é que ela não é assim. E é bom que deixe isso claro desde o início do ano, que deve ser parecido a janeiro no denuncismo. Com sua grande popularidade e o apoio quase unânime do País, é bem provável que tenha de voltar aos meios de comunicação. Quando a provocarem além do normal.
E não vai adiantar fazer beicinho."

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O neoliberalismo na berlinda

Faz tempo que estou querendo replicar um ótimo texto publicado em Carta Capital no dia 13 de abril passado. Serve para aqueles que acreditam que o Brasil, com o baixo nível moral de seus políticos e empresários, deveria entrar na onda que desaguou na privataria tucana de FHC e Serra. Afinal, se não deu certo na Islândia, um dos países de mais alto índice de IDH do Mundo, além de um dos povos mais cultos, alguem acredita que vai dar certo no Brasil?

"O neoliberalismo na berlinda

O ex-primeiro-ministro Geir Haarde está sendo julgado em Reijkjavik por ter conduzido o país à catástrofe de 2008 e pode ser condenado a até dois anos de prisão. A virada neoliberal da Islândia, com desregulamentação financeira e privatizações em massa, começou no governo de David Oddson, em 1991. Haarde não é o único culpado, embora tenha sido parte importante do processo desde bem antes do início do seu governo, em 2006, primeiro como líder parlamentar do Partido da Independência (conservador, então no governo) de 1991 a 1998 e ministro da Fazenda de Oddson de 1998 a 2005.
É uma oportunidade para o país refletir sobre a transformação de estável social-democracia escandinava em centro financeiro desregulamentado cuja precariedade se viu quando a crise hipotecária dos EUA fez falir seus maiores bancos, com passivos externos mais de 20 vezes maiores que o PIB.
A ducha gelada da crise despertou os islandeses do sonho consumista e os lançou às ruas com uma versão nórdica do “que se vayan todos!” A renúncia de Haarde e a eleição de um governo de centro-esquerda não bastaram para satisfazê-los: rejeitaram por duas vezes, em plebiscito, propostas de pagamento parcial da dívida externa deixada pelos bancos falidos. O fato de que, depois disso, o país esteja se recuperando muito melhor que os europeus oprimidos pela “austeridade” é a explicação para o silêncio quase absoluto da mídia internacional sobre esse país e seu julgamento do neoliberalismo.
http://www.cartacapital.com.br/internacional/o-neoliberalismo-na-berlinda/"

O grifo é meu. É de se imaginar o que teria sido do Brasil se o Governo brasileiro não tivesse dois bancos estatais nas mãos para emprestar dinheiro a juros baixos para nossos empresários em plena crise que quebrou o Mundo. Obviamente, existem aqueles que se apegam a preconceitos imbecis para tentarem sustentarem o insustentável, tal como a "competência" do FHC, que mergulhou o nosso país numa recessão brava para favorecer a elite de quem é porta-voz na implantação do Real. O Serra é do mesmo naipe. Ainda bem, os Governos Lula e Dilma para recuperar o Brasil nos últimos dez anos.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A aposta na mediocridade

Segundo amplamente divulgado, a Globo teve no domingo, dia 11/12/2011, seu pior desempenho no ibope (minúsculas mesmo, ou seja, audiência) de toda a história. Sem a atração dos jogos do Campeonato Brasileiro, a emissora carioca obteve, em média, 10% dos aparelhos ligados na Grande São Paulo, contra 12% da Record. Pela primeira vez, desde que foi para a Record, Gugu Liberato ficou à frente de Fausto Silva durante todo o tempo que duraram os programas de ambos.

Diz o ditado que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Somente quem viveu as décadas de 70 e 80 do século passado sabe o que representava a Globo em termos de TV no Brasil. O último capítulo de Selva de Pedra em 1972 obteve a hoje impensável marca de 100% dos aparelhos ligados! Era uma época em que a Globo era o veículo de mídia da Ditadura, mas isso é sobejamente sabido e não vou entrar em divagações ideológicas ou idealistas. Quero abordar outro aspecto.

No final dos anos 60 e começo dos anos 70, ainda não se falava em “redes de televisão”. Ainda mais que as primeiras transmissões em rede apareceram em 1969, para a transmissão da Copa do Mundo, primeiro grande evento transmitido ao vivo para o Brasil.

Abro aqui um parêntesis para dizer que me lembro perfeitamente da primeira transmissão ao vivo para Uberlândia, pela antiga TV Triângulo, hoje Rede Integração, afiliada da Rede Globo (a primeira, por sinal), um jogo de futebol, Santos e Corinthians! A imagem toda chuviscada, mal dando para perceber os jogadores. Mas era uma transmissão teste, e meu saudoso pai, corinthiano doente, mexendo na antena interna, buscando um melhor sinal. Pelé e Rivelino jogando!!!

Um tempo totalmente diferente, quando cada emissora pelo Brasil afora podia comprar programas de qualquer emissora de São Paulo, ou Rio. Assim é que a TV Triângulo mostrou os Festivais da Canção da Record, algumas atrações da extinta TV Excelsior, como a novela Redenção, eu acho, da TV Tupi, etc.. Por outro lado, ninguém em Uberlândia viu Irmãos Coragem, da Globo! Interessante, né?

Pois bem. Era um tempo em que a Globo podia se dar ao luxo de apresentar, nas manhãs de domingo, um programa visualmente belo e intelectualmente fino: Concertos para a Juventude, quando, durante uma hora, orquestras eram apresentadas tocando clássicos da música erudita! Dá para se pensar nisso hoje?

Vila Sésamo era apresentada no final da tarde e voltada para o público infanto-juvenil. Apesar das situações engraçadas criadas, com Garibaldo e Cia., com Aracy Balabanian e Sônia Braga e todo o elenco, os bonecos traziam ensinamentos que preparavam, de certa forma, as crianças para a escola, quando não, para a vida.

Todavia, era uma época em que, como hoje, as forças dominantes não tinham o mínimo interesse em que o povo se tornasse informado e culto. Como já escrevi algures, povo desinformado é povo controlado. É gado.

Assim, exceto por um ou outro programa educativo em horário nobre, eram inexistentes outros. As novelas iam moldando os gostos, a moda, os costumes. A fórmula genial criada pelo Boni, com três novelas, a das sete (não existia a das seis), a das oito (que transformou-se em “das nove” por conta da concorrência da novela Pantanal, da extinta Manchete que estava “engolindo” o noticiário da Globo) e a das dez (algumas marcaram época: Bandeira 2, Gabriela, Saramandaia, O Grito, etc.), com o Jornal Nacional e a linha de shows às nove (só para citar alguns, Planeta dos Homens, Viva o Gordo, Globo de Ouro, o antigo A Grande Família) no meio.

E a Globo apostou no status quo, pensando que sua liderança jamais seria contestada.

Todavia, no começo dos anos 80, com o surgimento do SBT encima das cinzas da finada Rede Tupi, e a emissora de Sílvio Santos apostando numa programação voltada para as camadas populares, justamente aquelas abandonadas à sua sorte pela Globo, a poderosa emissora de Roberto Marinho começou a perder espaço nos lares brasileiros. Um processo bastante lento, mas que acabou dilapidando a quase unanimidade da Globo.

Com uma proposta muitas vezes apelativa, o SBT, depois as demais, Record, Rede TV!, etc, fizeram da audiência uma pizza diluída por vários usuários. E chegamos no final de 2011 com a poderosa Venus Platinada perdendo, pela primeira vez, a liderança absoluta para uma rival específica, a Record.

Quem planta, colhe. Hoje, com as “atrações” do Faustão aos domingos sendo do quilate de César Menotti e Fabiano (argh!), Marco e Mário (putz!), Michel Teló (caramba!), Luan Santana (ui!), não dá para esperar muito. Afinal, são as mesmas apresentadas nas concorrentes. Fica apenas o carisma ou a capacidade de enrolar o público, ou de apresentar alguma baixaria de maior quilate. Quem não se lembra do Faustão trazendo pela mão um cantor do Nordeste, eu acho, de pouco menos de um metro de altura, ou do Gugu apresentando uma entrevista com um suposto criminoso de uma facção criminosa, ameaçando meio mundo de morte? Isso foi noticiário na Imprensa por semanas. Audiência a qualquer preço!

Voltando à vaca fria. Caso tivesse apostado na Cultura brasileira, na Educação, a Globo hoje poderia desfrutar das mesmas audiência e liderança que desfrutou por décadas. Bem como ser lembrada, depois da Ditadura, como o veículo que ajudou a tornar nossos habitantes em verdadeiros cidadãos. No entanto, apostando em políticos corruptos e na vulgarização dos costumes, a poderosa emissora carioca, hoje, colhe os frutos que plantou. Temos um povo de terceira categoria, sem cultura, sem identidade, do qual 33 milhões não sabem ler ou, quando lêem, não sabem interpretar o que leram; os analfabetos funcionais.

Fausto Silva cita, vez por outra, seu antigo programa na Band, o Perdidos na Noite. Lembro que eu costumava assisti-lo todo sábado à noite. Era a oportunidade de ver e ouvir as verdadeiras atrações do programa. Verdadeiros artistas da música brasileira: Alceu Valença, Guilherme Arantes, Zé Ramalho, Milton Nascimento, Beth Carvalho... Bem diferente do que aparece na tela do plim-plim hoje. Fora as brincadeiras inteligentes daquele programa, ironizando a mesma Globo com o Tela Morna, por exemplo.

A Globo apostou na mediocridade. Hoje, o povo brasileiro é pura massa de manobra daqueles que faturam alto sobre a ignorância dos semelhantes. Como urubus sobre a carniça. Exploram a parvoíce geral. Precisam disso. Se aparece uma “nova” dupla sertaneja, é porque uma já está em decadência. Cheguei a essa conclusão com o “advento” de Marco e Mário. Que dupla estaria em decadência ou se desfazendo? Rick e Renner, foi a minha conclusão! A “nova” vem para substituir a “velha”. É assim que funciona. Se alguma outra dupla começar a cair, podem ter certeza que uma outra vai aparecer. A máquina vai muito bem azeitada.

Aposto que se fizerem uma pesquisa, vão ver que a cada aparecimento de uma “dupla de sucesso”, é porque outra já deu o que tinha que dar. Alguem aí ainda se lembra de Gian e Giovanni? Por outro lado, Vítor e Léo estão bombando!

Não tenho certeza se a Globo vai afundar ainda mais. Afinal, ela tem muito dinheiro e os direitos de imagem sobre os principais times de futebol do país. E o futebol é o ópio do povo. Mas, até quando? A Record já mostrou que também tem dinheiro. No momento em que a Venus perder mais essa atração (já perdeu o Pan e as Olimpíadas) tende a cair mais ainda. As novelas da emissora do Bispo ainda perdem em qualidade na sua produção e seu visual. Mas a distância para as da Globo já não é tão grande. E se a Record conseguir roubar o espaço das novelas da Venus, creio que não sobraria muita coisa da emissora carioca. A Globo nunca soube nem precisou correr atrás.

O Boni nunca fez tanta falta para a Globo!