quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Exclusão, assimetrias e as crises do cinema brasileiro contemporâneo

Para uma análise mais precisa sobre o tema é necessária uma distinção adequada entre cinema e filme. Embora ambos possam ser tratados como fatos, o filme é um produto audiovisual, um objeto de estudo menos incontrolável. Já o Cinema é um fato social total, com infinitas nuances em seus aspectos tecnológico, econômico e sociológico, como distinguidos por Christian Metz (1980) e Massimo Canevacci (1990), com base no conceito de Marcel Mauss (2003).

Em sua cadeia produtiva, o mercado cinematográfico abrange três segmentos interdependentes: a produção, a distribuição e a exibição. Para que haja exibição fazem-se necessárias a produção e a distribuição; para que haja a distribuição, são necessárias a produção e a exibição; para que haja a produção, são necessárias, em tese, a produção.

Em termos econômicos, os exibidores, bem como os distribuidores, que, basicamente, são quem definem os filmes que vão entrar em cartaz, visam o lucro. Assim, aqueles filmes que vêm acompanhados de maior divulgação na mídia, os blockbusters, têm preferência numa eventual fila para exibição.

Ocorre que existe um distanciamento do produto audiovisual nacional e o público brasileiro. A quantidade de salas disponíveis para a exibição de filmes nacionais é imensamente pequena em relação ao número de obras que são produzidas. A massificação do produto hegemônico norte-americano, bem como as distribuidoras serem braços da grandes companhias norte-americanas, as Majors, tornam a introdução do filme nacional no circuito comercial muito difícil, ainda que, em tese, existam leis de proteção para o produto nacional no mercado, estas são cumpridas em condições mínimas pelos exibidores.

Este é o primeiro ponto que gera uma assimetria: economicamente, para as distribuidoras e exibidores, a exibição e distribuição do filme nacional não compensam, em detrimento de algum outro produto norte-americano, que vem apoiado com forte publicidade na mídia, o blockbuster. Assim, o cinema brasileiro gera uma grande quantidade de filmes, mas a distribuição, em primeiro lugar, e a exibição, em segundo, representam os dois gargalos pelos quais o produto nacional não passa para atingir o público.

Em termos tecnológicos, a indústria norte-americano sempre apresenta novidades que os demais países ainda vão levar algum tempo para alcançar, quando, então, alguma nova tecnologia já terá sido criada e os países periféricos levarão outro tempo para adquirir. Nos dias de hoje, podem-se citar as salas de exibição em 3D e as digitais em 4K.

Enquanto os chamados “filmes de ação”, por exemplo, usam e abusam de efeitos especiais que custam milhões de dólares para serem produzidos, o filme nacional raramente trabalha com esse tipo de produto. Ocorre que são justamente esses tipos de filmes que atraem multidões às salas de cinema, ao contrário do produto nacional, que explora os bons textos, boas fotografias e boas atuações. Prova disso, é o reconhecimento dos grandes diretores brasileiros fora do país por críticos e produtores audiovisuais de outros países. Por outro lado, as salas digitais no Brasil ainda funcionam em 1.3K, muito abaixo daquelas dos EUA.

Em termos sociológicos, a produção de cinema no Brasil foca em temas ligados à dita “realidade brasileira”: a violência das ruas, a prostituição, a delinqüência juvenil, bem como a miséria e a seca, especialmente no Nordeste. Temas que, obviamente, não agradam a maioria dos espectadores de cinema.

Por outro lado, o cinema nacional teria a possibilidade de divulgação entre as comunidades mais pobres, pequenas cidades sem salas de exibição. Esta tentativa foi feita em vários lugares, como em Natal, onde o MST exibiu filmes projetados nas velas das jangadas e até mesmo nos corpos das próprias pessoas. A cidade pensada como espaço social, com pequenas ruas fechadas nas grandes cidades e praças, onde o filme poderia ser exibido em público. As avenidas movimentadas, as praças sem bancos não são espaços sociais. Daí, a idéia da exibição em espaços de fácil acesso ao público, seja das grandes cidades, seja das pequenas. Aí está outra assimetria, as temáticas localizadas, inseridas em uma realidade localizada, filmadas como se fossem temas gerais, sem o apelo que, supostamente, teriam junto àquelas comunidades que julgam retratar. Ainda assim, são obras de valor.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A canção no cinema brasileiro dos anos 80

Para se entender as influências que marcaram o cinema brasileiro dos anos 80, é preciso saber em que contexto elas surgiram. O Brasil entrava na fase da redemocratização depois de quase vinte anos de Ditadura Militar. Apesar de frágil, a recém reconquistada Democracia poderia suportar uma releitura daqueles anos de chumbo. Assim, numa poderosa vertente da música brasileira, a MPB, compositores engajados com a luta contra o antigo regime, despontaram nas composições de trilhas de filmes que faziam uma releitura dos anos 60-70.

O documentário Jango, de Sílvio Tendler, por exemplo, traz uma jóia da MPB, Coração de Estudante, de Wagner Tiso e Milton Nascimento. Seguindo o sucesso de Bye, Bye Brasil, de Cacá Diegues, do final da década anterior (1979), Chico Buarque assinou a trilha sonora de Ópera do Malandro, de Ruy Guerra (1985), adaptação da Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. Ainda, Eu te amo, de Arnaldo Jabor (1981), que Chico assinou em parceria com Tom Jobim. Este ainda fez a trilha sonora de Gabriela, longa de Bruno Barreto (1982), com a notável “Modinha para Gabriela”, na voz de Gal Costa. Tom e Vinicius de Morais fizeram o clássico da MPB, “Eu sei que vou te amar”, que foi tema e título do filme de Arnaldo Jabor de 1984. Caetano Veloso também teve uma boa participação em obras como Tabu, de Júlio Bressani, Índia, a Filha do Sol, de Fábio Barreto e Dedé Mamata, de Rodolfo Brandão. Mesmo Glauber Rocha com A Idade da Terra (1980), teve em sua trilha a música O Amanhã, de João Sérgio, imortalizada na voz de Simone, bem como a sonoridade dos sambas-enredo e do candomblé, recorrentes na obra do diretor. O filme de Glauber ainda se encaixa perfeitamente na categoria de cinema experimental, com sua mistura de gêneros: documentário, representação alegórica, lembrando os procedimentos do “udigrúdi”; forma sincrética de pensar o Brasil como país periférico na decadência do imperialismo.

Talvez, a vertente mais forte no cinema brasileiro tenha sido a do rock. A influência da música norte-americana no mercado fonográfico brasileiro, em especial devido às telenovelas, tornou o gênero uma espécie de hino da juventude. São vários os filmes que tiveram em suas trilhas canções derivadas dessa corrente, que se tornaram grandes êxitos nas rádios e programas de televisão:

i) Menino do Rio (1981), de Antônio Calmon, e a canção “De repente, Califórnia”, composição de Lulu Santos e Nelson Mota;

ii) Garota dourada (1984), do mesmo Antônio Calmon traz uma série de sucessos das paradas musicais: “Como uma onda”, de Lulu Santos, “Romance e aventura”, composição de Nelson Motta e Lulu Santos, “Baby, meu bem” e “Menina Veneno”, do roqueiro Ritchie;

iii) Bete balanço (1984), de de Lael Rodrigues, teve a canção-título composta por Cazuza e interpretada pelo Barão Vermelho;

iv) Rock estrela (1985), também de Lael Rodrigues, com Leo Jaime, autor da canção-título, e Areias escaldantes (1985), de Francisco de Paula, que traz seleção musical de Lobão, com canões de Ultraje a Rigor, Ira, Titãs, Capital Inicial e Metrô, entre outros;

v) Dias melhores virão (1985), de Cacá Diegues, com trilha musical e canção-título de Rita Lee e Roberto de Carvalho;

vi) Além da paixão (1985), de Bruno Barreto, traz o hit “Fullgás”, de Marina Lima e Antônio Cícero;

vii) Um trem para as estrelas (1987), dirigido por Cacá Diegues, mostra a desilusão da juventude urbana. A canção-título de Cazuza foi realizada em parceria com Gilberto Gil.

No campo experimental, cabe citação a Arrigo Barnabé. Em filmes como Cidade oculta (1986), de Chico Botelho, Estrela nua (1985), de José Antônio Garcia e Ícaro Martins, Vera (1987), de Sérgio Toledo, Lua cheia (1989), de Alain Fresnot, e A estória de Clara Crocodilo (1981), de Cristina Santeiro, ele mistura números musicais com narrativa policial, inspirada no imaginário das histórias em quadrinhos a partir de elementos transtextuais provenientes dos gêneros do cinema noir e do musical hollywoodiano.

Por outro lado, o gênero sertanejo tem início com Estrada da Vida (1980), de Nélson Pereira dos Santos, com a história da dupla Milionário e José Rico, ícones da nova tendência que este gênero assumiria. Apesar disso, ainda hoje o gênero sertanejo embala as trilhas sonoras de filmes específicos do gênero, bem como passagens de filmes de outros gêneros quando se quer salientar uma conotação ligada ao popular, devido à popularidade da música dita sertaneja em quase todas as camadas da população.

Portanto, podemos concluir que a grande tendência da canção no cinema brasileiro dos anos 80 é a disseminação dos instrumentos eletrônicos, com os sintetizadores, pela música brega e sertaneja e por uma revitalização do rock.

Assim, fica claro que a tendência da trilha musical em filmes brasileiros na década de 80, desde sempre, é aquela voltada para o grande público. Enquanto os filmes de arte e experimentais tendem a ter trilhas sonoras mais intelectualizadas, os filmes voltados para o mercado apostam nas tendências de momento. A juventude dos anos 80 foi chamada a Geração Saúde, com moças e rapazes com suas atenções voltadas para práticas desportivas, o que explica sucessos como Bete Balanço e Garota Dourada.

Com o advento do INTERNET e da explosão da “música sertaneja”, a juventude tornou-se mais sedentária e a Geração Saúde deu lugar à Geração INTERNET. Este veículo permitiu uma maior democratização do que se vê e se ouve, mas as grandes mídias ainda tem certo controle sobre o que se mostra, e a massificação do que é conveniente à ordem sistêmica ainda torna a informação, de certa forma, manipulada. Desta maneira, a juventude acredita piamente que tem uma opinião própria, quando na realidade é mera repetidora daquilo que a ordem estabelecida tem interesse em manter, o status quo. E a superficialidade da afirmação: “Eu gosto e gosto não se discute” permanece como um bordão que aqueles que não pensam, usam para defender a sua falta de opinião própria. Obviamente, quanto mais se sobe na escala intelectual, menos os temas vulgares e superficiais satisfazem. Assim, sobre uma sociedade mal preparada intelectualmente, é fácil àqueles que detém a informação imporem suas opiniões. E a sociedade segue como gado, tangida pela mão daqueles que ela mais deveria temer e evitar.