segunda-feira, 30 de junho de 2008

Gosto não se discute?

Existem milhares de ditados populares. Qualquer um é capaz de citar algum em alguma ocasião para justificar determinado fato ou atitude. E algumas pessoas tomam ditados como verdades absolutas sem notar que vários deles até se contradizem. Senão, vejamos: “Quem chega antes bebe água limpa” é um elogio à agilidade ou à presteza; por outro lado “Quem espera sempre alcança” ou “O apressado come cru” é uma crítica a esta mesma presteza e um elogio à paciência. Qual dos dois está com a razão? Quem pode dizer?

Um dos mais questionáveis adágios populares é exatamente “Gosto não se discute”. Todavia, é claro que gosto se discute, sim! E por que se questiona?

Gosto pessoal está ligado a valores. É comum uma mulher bela estar com um namorado que para os padrões estabelecidos não é nada atrativo. A pergunta comum é “o que é que aquela gata viu naquele bagulho?” Oras, quem deve saber é ela! Ninguém está junto para saber. Concordo (por experiência própria) que, às vezes, uma pessoa se une a outra por puro entusiasmo, mas quando é possível escolher com isenção, acaba optando por alguém que se encaixe num padrão que lhe é interessante. Exemplo? Determinado craque de futebol. Que me desculpem os admiradores do craque (eu também admiro o craque), mas é um boçal. Não tem a mínima noção de respeito, principalmente pela pessoa com quem está. E, convenhamos, não fosse pelos milhões que tem é totalmente improvável que tivesse tido tantas mulheres belas como teve. E por que isso? Pela ausência de valores. O sujeito só ganha dinheiro, mais nada. Crescimento financeiro altíssimo, crescimento moral nulo. O mesmo se aplica para a mulher que se dispõe a aparecer ao lado dum estúpido desses. Apenas pelos holofotes. Acho que acaba se equivalendo a ele.

Este preâmbulo é para introduzir outra discussão que eu aprecio: música. Eu trabalhei em rádio por 17 anos, de 1977 a 1993. Passei por algumas boas fases da música brasileira. Eu mesmo fui criado, como gosto de dizer, “à sombra dos festivais”. Eu amo MPB, mas ouço muito mais música internacional pelo desafio de entender a mensagem da canção em outro idioma. Assim, junto à bagagem cultural que adquiri em anos de leitura, acrescentei o gosto por música de qualidade. Analisando tudo que aprendi na vida é que cheguei à conclusão que expus no início do texto. Gosto se discute, sim.

Para o indivíduo que sobe na escala intelectual e cultural, coisas do tipo “nóis vai, nóis foi” cada vez agrada menos. Bem como, “sacode a bundinha, joga as mãos pra cima, dá uma olhadinha...”

Deus meu! Quanta baixaria! Quanto vazio! Quanta falta de sutileza! O nível da “música” está tão baixo que o que era considerado brega há vinte ou trinta anos atrás, hoje é considerado cult! Odair José, Márcio Greick, José Augusto, Fernando Mendes... E, hoje, pode-se dizer que tiveram seu papel (importante) na formação da juventudade daquela época e é até gostoso ouvi-los hoje. Mas o material que a atual “música” brasileira apresenta hoje é um pesadelo!

É inconcebível alguém com alguma estatura moral gostar de alguma coisa do tipo “vou pescar que nada, vou beijar na boca...” A letra desta coisa diz de um sujeito que fala para a esposa que vai pescar, mas que, na verdade, vai vadiar, trair a própria mulher. Qual o perfil de alguém que ouve, canta, compra uma escória destas? Afinal, a proposta da música é uma canalhice. Baseado em valores morais, um homem que se dispõe a fazer uma coisa dessas é um canalha. Por outro lado, uma mulher que ouve e acha graça num lixo destes é muito à-toa! Ambos, homem e mulher, estão predispostos a fazer o que a “música” propõe a qualquer momento, desde que haja ocasião. Por que? Por falta de valores.

Sobre outras canções algumas pessoas me dizem coisas como “mas tem uma letra bonita, é uma música romântica”. A estas eu tento fazer entender o seguinte: música de qualidade tem de ter mensagem, além de melodia, além de uma letra trabalhada,etm deter perenidade. Música deve fazer bem ao coração, mas para pessoas cultas e inteligentes, deve dizer alguma coisa ao intelecto. E é fácil ver quando a “música” só tem apelo comercial. Para várias destas pessoas eu apenas digo: “Tá bom, me diz (sic) o grande sucesso de Bruno e Marrone (ou Rio Negro e Solimões, ou César Menotti e Fabiano, qualquer um serve) do ano passado?” É engraçado ver como essas pessoas se confundem simplesmente porque eram APENAS “MÚSICAS” COMERCIAIS, SÓ PARA VENDER, nada mais. Ninguém se lembra daquilo, mas o que está tocando hoje todo mundo sabe!

Querem uma letra bonita?

Olhando um dia de chuva
Vi que mais triste era eu
Que sem estrela e sem Lua
Te procurava no céu.
Fiz do piano, a viola
Fiz de mim mesmo, o abrigo
Fiz da verdade, uma história
Fiz do meu som, meu amigo.

São os primeiros versos de Piano e Viola, Taiguara. E quem sabe quem é Taiguara? Quem cresceu à sombra dos festivais, sabe...

sábado, 28 de junho de 2008

Informação, Controle e Educação

A informação é a base de qualquer dominação. O controle da informação é sinônimo de poder. Naturalmente, governos que a controlam podem impor suas idéias e programas. Qualquer regime ditatorial ou oligárgquico ou absolutista de qualquer natureza sempre fez do controle da informação a base de sua dominação. Assim, pode-se dizer que um povo desinformado é totalmente vulnerável a esta. E uma forma de manter o povo sem informação é negar-lhe o direito à Educação. Desta forma, políticas pseudo-educativas são a chave para manter o povo sem informação.

No Brasil, desde sempre, as classes dominantes implantaram um sistema de sub-educação, ou seja, ao povo basta que saiba escrever o nome que o indivíduo aparece nas pesquisas como “alfabetizado”. Por exemplo, desde que a pessoa possa digitar meia dúzia de algarismos para sacar seu benefício do INSS ou do Bolsa-Família, já é o suficiente. Até o Governo Fernando Henrique, esta tem sido a política adotada. Não vi ainda no Governo Lula indícios de que a prática possa vir a ser mudada, apesar da louvável iniciativa do Poder Federal de tentar despertar o gosto do jovem pela leitura. E como já disse antes, a leitura é base de qualquer educação. Porém, acredito que o melhor caminho para isso é aquele que tracei em comentários anteriores.

Até o início da década de 1970, o ensino público era muito mais valorizado. Aluno que não tinha gabarito para passar de ano em escolas públicas era levado para a escola particular, onde o ensino era péssimo e os pais pagavam altas mensalidades, mas que garantiam a passagem do menino ou menina para a série seguinte. A reforma educacional promovida pelo Governo Federal em 1971 fez com que, gradualmente, o ensino público ficasse cada vez mais deficiente, enquanto se formavam fortes grupos de ensino sem muito compromisso com a educação, que ganhavam muito dinheiro e contratavam os melhores professores oriundos das escolas públicas.

Lamentavelmente, o que se vê hoje é um “ensino” voltado para a decoração de “macetes” para “matar” os exercícios do vestibular. Ninguém está preocupado em ensinar nada. Em meu último ano como educador, vendo a dificuldade dos alunos numa matéria como Física, resolvi ensinar a partir de experiências em sala de aula em apoio ao material didático. De forma que não cumpri a meta de onze módulos do ano, chegando, quando muito, até o nono módulo. Naturalmente, fui despedido. No entanto, no ano seguinte, já fora de sala de aula, encontrei dois ex-alunos que me disseram: “Poxa, Rogério (era meu nome de guerra), por que você saiu? O “cara” que entrou no seu lugar não ensina nada, só joga matéria no quadro e não quer nem saber se a gente aprendeu. Mas até hoje eu lembro de todas as fórmulas de Ótica que você ensinou.” Sinceramente, este foi o maior troféu que recebi em minha experiência como professor e vi que este é o caminho. Basta que exista boa vontade de educadores e planejadores que o Ensino Público ainda pode dar certo.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Xadrez Escolar

Eu acho a leitura a pedra fundamental de todo aprendizado. Desenvolve a imaginação, enriquece o vocabulário e incrementa a bagagem cultural. Todavia, uma poderosa ferramenta paradidática é o xadrez. Vários países da Europa adotam este esporte como tal. Por outro lado, quando se fala em xadrez, pensa-se logo nos países da antiga Cortina de Ferro, como se apenas estes tivessem programas de ensino de xadrez nas escolas. Ledo engano. Países como Espanha, França, Alemanha e Inglaterra têm programas semelhantes. Baseados em estudos aprofundados de Binet, Krogius e mesmo Piaget, há muito que estes países já descobriram as virtudes desta arte/ciência/esporte como ferramenta de apoio ao ensino.

O Xadrez pode ser ensinado já nos primeiros anos da vida escolar da aluno. Por volta dos cinco anos a criança já tem capacidade para aprender os movimentos das peças. Com o tempo, caso mostre aptidão e interesse, a criança pode se aprofundar na atividade e participar de torneios promovidos por clubes e Federações. O Xadrez desenvolve a iniciativa, pois a criança é levada a tomar suas próprias decisões, uma vez que é esporte individual. Mas também o espírito de equipe, uma vez que, em torneios internos, seja em torneios na escola, seja em intercolegiais, seja em intermunicipais, seja interestaduais, a criança aprende a ter orgulho de representar sua sala, ou seu colégio, ou sua cidade, ou seu Estado. Desenvolve a personalidade, já que o garoto ou garota aprende com os próprios erros, que a vida é feita de vitórias, mas de derrotas também, que contribuem para a formação do caráter. Desenvolve a noção de respeito, porque é um esporte eminentemente de cavalheiros, onde os jogadores sempre se cumprimentam no início e no final das partidas. Desenvolve um bom círculo de amizades, pois o esporte, qualquer que seja, tem esse dom de agregar as pessoas em torno de uma causa que as una.

Várias entidades têm programas específicos de incentivo à pratica do Xadrez nas escolas que são basicamente idênticos. Entre elas destacam-se a Academia Brasileira de Cultura e Xadrez, da qual sou membro fundador, ocupando a cadeira 20 que tem como patrono o ex-campeão mundial Tigran Petrosian. Outras entidades são a Federação Paulista de Xadrez, bem como a Federação de Xadrez do Estado de Goiás, da qual fui vice-presidente técnico e Secretário Geral por mais de dez anos. Atualmente, sou membro do Conselho Fiscal desta entidade. No Brasil, o órgão gerenciador do Xadrez é a Confederação Brasileira de Xadrez.

Várias personalidades foram ou são praticantes do Xadrez através dos tempos. Uma delas, Wolfgang Goethe, um dos maiores dramaturgos da Alemanha, no Século XVIII definiu o Xadrez como “a pedra de toque do intelecto”. Peter Pratt o definiu como "a ginástica da mente". Uma afirmação bastante verdadeira, já que, da mesma forma que um músculo atrofia por falta de exercício físico, o cérebro também se debilita com a falta de atividade. E o Xadrez é um dos poucos esportes que podem ser praticados até o fim da vida, sem contra-indicações. Um exemplo é Viktor Korchnoi, duas vezes vice-campeão mundial na década de 1970, ainda um forte grande mestre, com quase 80 anos de idade! Bem como fortíssimos jogadores de 11 ou 12 anos! Magnus Carlsen, norueguês, hoje o segundo jogador do ranking mundial tem 17 anos! Alguma pergunta?

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Para Quem Gosta de Ler

Quando eu tinha apenas O Visitante editado, uma história esparramada por 580 páginas, muita gente me perguntava: “Por que você não escreve um livro mais fino? Esse é muito grosso, as pessoas têm preguiça de ler um livro assim. Dá até preguiça só de olhar.”

Pois bem. Eu sempre gostei de ler. Não era a espessura de um livro que me intimidava. Não fosse assim e eu jamais teria iniciado Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas, filho, ou a saga dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, pai, ou mesmo Rocambole, de Ponson de Terrail. O primeiro tem cinco volumes, um deles (A Condessa de Charny) com mais de 660 páginas; o segundo tem sete volumes, sendo que o segundo (Vinte Anos Depois) é uma das mais espetaculares histórias de aventura já escritas (pouca gente sabe que a aventura do Máscara de Ferro é apenas uma parte dessa história) tem mais de 500 páginas; por fim, o terceiro é uma saga de aventura contada ao longo de oito volumes (o termo rocambolesco vem daí).

A justificativa dessas pessoas era que um livro menos denso teria um público maior, porque “todo mundo” o compraria. O que é uma bobagem. Uma pesquisa feita há alguns anos por uma revista (não me lembro qual: Isto É, Veja, Época, não sei) concluiu que os leitores, aqueles que têm realmente o hábito de ler, pelo contrário, preferem livros volumosos, uma vez que, quando a história é agradável, eles querem prolongar ao máximo a convivência com aqueles personagens. E a reportagem cita livros nada modestos como Pássaros Feridos (muito bom!), de Colleen McCullough, e O Catador de Conchas (que eu não li), de Rosamunde Pilcher, este com mais de 1000 páginas!

O Brasil é um país muito grande, mas que lê pouco. E, do ponto de vista puramente comercial, obviamente livros como O Doce Veneno do Escorpião, diário da Bruna Surfistinha, ou Seo Crêisson, Vídia e Óbria, da Turma do Casseta & Planeta (nada contra os rapazes, com cujo programa eu me divirto muito nas noites de terça-feira, mas aquilo não é Literatura) têm um apelo muito maior, uma vez que se pode “ler” e depois mandar para a reciclagem de papel ou coisa que o valha. Uma vez que este é o fim que a maior parte da população brasileira dá para qualquer livro, ainda que seja um bom livro.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A Batalha de Poitiers

A Batalha de Poitiers ganhou o prêmio Hugo de Carvalho Ramos, principal concurso literário de Goiás, em 2003, promovido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás, e patrocinado pela Prefeitura Municipal de Goiânia. Fato interessante é que eu o escrevi para inscrevê-lo no prêmio Cora Coralina do mesmo ano, promovido pela Agência Cultural do Estado, e a idéia de colocá-lo na disputa pelo Hugo foi tomada de última hora por sugestão de meu amigo escritor Itamar Pires, uma vez que eu não tinha a mínima esperança de ganhá-lo. A Batalha foi escrito entre 18 de abril e 9 de junho de 2003, tempo relativamente curto para uma obra tão densa, diminuído por dois dias em que não escrevi nada por falta de inspiração e outros dois em que fui a São Paulo para ser entrevistado pelo Jô.

Historicamente, a primeira batalha de Poitiers foi aquela em que Carlos Martel barrou o avanço dos sarracenos sobre a Europa no ano de 732. O livro é um romance de ficção, apesar do uso do fato histórico como alicerce. A primeira parte da história acompanha a queda de Carcassonne, fortaleza franca no sul da atual França no ano de 725. A segunda parte segue a expectativa da sociedade franca diante do confronto inevitável. Finalmente, a última parte observa a evolução da batalha nos arredores da cidade de Poitiers, a meio caminho entre Paris e a fronteira espanhola. Em todo esse contexto está encravado um triângulo amoroso, a crença no poder místico da Divindade e na igualdade entre os sexos, em contraposição ao pensamento patriarcal e misógino da sociedade cristã nascente, e cujos reflexos observamos até os dias de hoje.
A Batalha de Poitiers tem nota introdutória do Professor Heleno Godói, Doutor em Literatura, da Universidade Federal de Goiás e da Universidade Católica de Goiás, capa e editoração gráfica de Itamar Pires, mapas e ilustrações de minha autoria, 340 páginas e foi editado em julho de 2007.

Trecho de "A Batalha de Poitiers"

Por duas semanas, Carlos, com os filhos, Caribert e mais meia dúzia de auxiliares, percorreu uma parte da fronteira da Austrásia com a Aquitânia. Desceu até Orléans, depois Blois até Tours. A igreja de São Martinho deveria ser o principal alvo do exército sarraceno. Era a mais rica igreja da Gália, recebendo doações de todas as partes em função da devoção ou das graças recebidas.
Carlos imaginou que seria ali a trajetória dos sarracenos e desceu o caminho em direção a Poitiers, ao mesmo tempo em que estudava o terreno. Ao cruzarem o rio Vienne, parou por um instante. Apesar de conhecer muito bem o território franco, aquela região não lhe era totalmente familiar.
Era um planalto limitado pelos vales dos rios Vienne e Clain. Um terreno espaçoso, mas ao mesmo tempo suficientemente estreito para impedir a expansão da cavalaria sarracena, tática que dera a vitória aos muçulmanos em todas as batalhas anteriores. Carlos desmontou e com ele todos os seus acompanhantes. Com um sinal apenas ordenou que todos ficassem ali e andou pelo terreno amplo, ao sul do qual havia um bosque.
Carlos admirava a paisagem aberta como se já a visse cheia de homens armados, prontos para atirarem-se uns contra os outros. No íntimo já sabia que sua busca terminara. Seria ali que o futuro de toda a Cristandade decidir-se-ia. E ele estaria à cabeça das forças cristãs, antepondo a verdade de sua religião contra uma outra verdade. Quem venceria? Nem mesmo ele saberia dizer.
Apesar de tudo, nem sempre uma infantaria resiste a um ataque montado. Carlos arriscava sua sorte e de todo o seu povo numa estratégia arriscada. Mas não tinha alternativa. Sua cavalaria não conseguiria fazer frente aos árabes. Agachou-se, pegou uma pedra do chão e olhou-a longamente. Depois acariciou a terra como a tentar arrancar dela seus segredos e sua força. Olhou o curso do rio Clain e caiu em funda meditação. Praticamente teriam de assistir à queda e ao saque de Poitiers sem reagir. Mas seria como entregar um dedo para não perder a mão.
Depois de mais de meia hora, deu-se por satisfeito e retornou para junto dos seus.
― Senhores, será este o lugar. Seja o que Deus quiser.
Montaram e deram meia volta. Paris estava longe e ele ainda teria de reunir seu exército. Em Tours, um correio alcançou-o com uma notícia deplorável. Depois de uma resistência heróica, finalmente Bordeaux caíra nas mãos dos sarracenos e fora totalmente saqueada. Parte da população que não fugira a tempo fora aprisionada e escravizada. Carlos sentiu uma raiva imensa. Afinal, os aquitânios eram tão Francos quanto ele mesmo. Mas como cabeça de seu povo deveria esperar pela hora certa de recobrar o que fosse possível.
Martel chegou a Paris três dias depois. Em nome de Theuderico IV publicou a convocação e a distribuiu aos arautos para anunciarem-na pelos quatro cantos do Reino. Era uma questão de sobrevivência e de liberdade.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Visitante

Já citei os dois livros que escrevi e faço agora a apresentação do primeiro.

O Visitante foi escrito entre 6 de outubro de 1996 e 23 de dezembro de 1998. Obviamente, num espaço de tempo tão extenso, o texto sofre um pouco de falta de continuidade. No entanto, ainda assim, o livro venceu a Coleção Karajá do ano 2000, concurso (que, lamentavelmente, não existe mais) promovido pelo Instituto Goiano do Livro (IGL) da Agência Goiana de Cultura do Governo de Goiás. A premiação foi a publicação de mil exemplares, dos quais 600 couberam a mim e os restantes foram distribuídos pelo IGL para Bibliotecas e Instituições Culturais pelo Brasil. Caso eu venha a fazer uma segunda edição, a intenção é corrigir as pequenas falhas.

A trama começa em Londres em 1994, quando Robert, um atendente de Tribunal, estudante de Direito e piano, tem uma crise em seu relacionamento com a namorada e conhece um certo Mr. Evans, antiquário de meia-idade muito misterioso, que lhe empresta um prisma de cristal, além de enviar-lhe um livro muito antigo e uma roupa de camponês da Renascença. Depois de uma experiência algo sobrenatural na Galeria Nacional de Retratos, um museu de Londres, ele segue o roteiro que Mr. Evans lhe manda e acaba sendo transportado (fisicamente? mentalmente?) para a Londres de 1559, justamente no início do reinado de Elizabeth I. Tendo de sobreviver num ambiente totalmente diferente daquele em que sempre viveu, Robert se une a uma trupe de atores saltimbancos e acaba se tornando menestrel na Corte de Elizabeth.

Transcrevo parte do texto da orelha do livro, de autoria de meu amigo escritor Itamar Pires: Aquela é a época conturbada em que encontraremos um certo Robert de Harrow. Sua vida não é fácil. Ele é um sujeito esperto e, para os padrões da época, quase um erudito, mas é também um plebeu num mundo de nobres sem paciência, por isso, tem de sobreviver às incômodas possibilidades da masmorra ou da forca. Para sua sorte a guilhotina ainda não fora inventada... Apesar de tudo, Robert terminará tocando, num antigo bandolim, para a própria Rainha, músicas dos Beatles e dos Rolling Stones...

O livro foi editado em outubro de 2002 com capa e editoração gráfica de Itamar Pires, e tem 582 páginas. Quanto ao estilo, um outro escritor goiano, também meu amigo Ademir Luiz, disse num artigo publicado em semanário de Goiânia, que parece “uma mistura de Paulo Coelho e Sidney Sheldon”. Se um dia eu vier a vender tanto quanto ambos, posso me dar por satisfeito.

Trecho de "O Visitante"

A recusa do menestrel fez com que seu semblante se entristecesse. Pensara algo muito diferente do que aquilo que estava acontecendo. Apesar de totalmente inexperiente nas coisas do amor, Lady Catherine esperava Robert muito mais ousado, que a visse como igual, tal como ela o via. Fora até ali disposta a entregar-se a ele quaisquer que fossem as conseqüências. Cada fibra de sua alma vibrava quando ele falava ou cantava e seu corpo ansiava pelo contato do dele. Entretanto, ele se comportava como um padre, como um camponês que só via nela uma pessoa a quem obedecer.
Foi com certo ar de impaciência que ela disse:
- Recusas, então, o meu presente?
- Milady, entendei. Não o recuso por desrespeito a vós. É que ele teria muito maior utilidade para vós que para mim mesmo.
- Tu, porém, nem o examinaste. Pega-o.
Ele tomou o pequeno artefato na mão e passou algum tempo observando-o, Examinou o medalhão e, por sugestão dela, rodou suas extremidades sobre a mão e apertou brandamente até que o corpo central cedeu e se abriu em dois. Robert viu que havia dois retratos pintados em ambas as partes, mas ficou embaraçado ao ver a imagem dela de um lado e a sua própria do outro!
- Milady, é fantástico! Como conseguiste com que me retratassem assim, até com o barrete de menestrel?
- Não foi difícil. Tive bastante tempo para trabalhar nele. Eu mesma o fiz.
Estava satisfeita por poder mostrar, assim, que possuía qualidades que ele desconhecia. No entanto, para Robert ficou claro que aquilo era uma pequena prova do amor que ela sentia por ele e sentiu-se estranhamente inquieto. Uma sensação de melancolia começou a invadi-lo e algo parecia dizer-lhe que deveria fugir dali e que aquela situação não iria acabar bem.
Lady Catherine também começava a sentir-se mal. Toda a emoção do momento, a proximidade do homem amado, o frio, a indisposição que inventara e que parecia, realmente, começar a se instalar em seu espírito, o remorso, tudo parecia contribuir para criar um clima quase lúgubre.
Robert ainda tentou afastar a sensação de mal-estar e disse:
- Sois miniaturista, então? Milady, devo dizer que sois uma grande artista.
- Gostaria de ouvir de tua boca outras palavras.
Seus rostos estavam muito próximos agora. Robert olhou para ela e em seus olhos perolavam duas lágrimas que cairiam a qualquer momento.
Robert não pensou em mais nada. Ele atraiu a dama para si e um beijo longo selou o amor de ambos, mais uma conquista que acrescentaria mais uma quantidade de culpa a seu coração. Um sentimento estranho, mais ainda que o que experimentava pela rainha, brotou em seu coração e ele não saberia mais dizer se, de fato, não amava aquela menina.
Entretanto, o idílio durou pouco. O som de um cântico religioso pareceu brotar das profundezas do santuário. Os jovens amantes se desprenderam um do outro e a cena que viram os estarreceu.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Para Gostar de Ler

A colega Iara pergunta-me como incutir no jovem o gosto pela leitura. De repente eu havia esquecido que agora tenho um lugar para expor minhas opiniões! De modo que vou apresentar minhas idéias de como fazer para que o jovem passe a gostar de ler. Você é educadora e eu fui professor de Física e Matemática por oito anos em cursos de Ensino Médio de escolas particulares em Goiânia e pude ver a falta de bagagem cultural do nosso jovem em geral. O que vou expor aqui seria um programa de incentivo à leitura que poderia ser aproveitado pelo Poder Público, em minha opinião, mas eu sou apenas mais um ex-educador perdido no centro deste imenso Brasil, e não tenho ilusões quanto ao aproveitamento disso por um Ministério da Educação, por exemplo.

Pois bem. A Literatura deveria ser apresentada ao estudante ainda nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Nos dois primeiros anos, livrinhos ilustrados com letras garrafais e desenhos coloridos ocupando 70% a 80% de cada página seriam perfeitos. A professora leria as historinhas enquanto os alunos acompanhariam as mesmas olhando as figuras. Um livrinho a cada mês seria o ideal. Após a leitura das histórias, nos dias seguintes, os mestres criariam atividades relacionadas com o que foi lido. Teatrinho de marionetes, desenhos em sala, pequenas representações, releitura dos textos, etc.. Nesta primeira fase, os alunos devem descobrir os prazeres da leitura.

Nos dois anos seguintes, da 3ª à 4ª séries do Ensino Fundamental, os alunos deveriam ser estimulados a ler histórias e criar as imagens em suas mentes sem auxílio de figuras coloridas. A partir desta fase, um livro a cada bimestre com atividades semelhantes às dos anos anteriores. Não vejo outro autor melhor para esta fase que Monteiro Lobato. Todos os seus livros devem ser aproveitados.

Da 5ª à 7ª séries do Ensino Fundamental se introduziriam livros de temática infanto-juvenil. Aí sim, deveria haver uma escolha criteriosa do que é Literatura infanto-juvenil e o que não é. Autores brasileiros crêem que livros ilustrados com letras garrafais são livros deste gênero, quando, na minha opinião, nada mais são que livros pré-infantis e infantis. Nesta fase eu indicaria livros como Os Meninos da Rua Paulo, como já citei, A Moreninha, Senhora, os de Harry Potter, Tarzan (sim por que não?), Os Três Mosqueteiros e outros deste tipo. Da 8ª série do Ensino Fundamental ao 1º ano do Ensino Médio começaria a se apresentar livros mais encorpados, mas ainda de leitura leve: O Xangô de Baker Street, O Conde de Montecristo, por exemplo. Tudo isso acompanhado de atividades paradidáticas. A principal seria aproveitar o glamour do cinema e da televisão, por exemplo, e cobrar representações de trechos dos livros por grupos de seis a sete alunos, valendo nota. Dois livros, mas apenas uma representação de qualquer um deles a cada semestre, de modo que os alunos pudessem contemplar as outras atividades. Numa turma de 30 alunos, por exemplo, o professor escolheria cinco alunos que, por sua vez, escolheriam um a um entre os outros os que comporiam seus grupos, para as representações. Este tipo de atividade é fundamental para desenvolver o espírito de equipe, respeito entre os alunos e o gosto pela leitura.


No 2º ano do Ensino Médio, os alunos poderiam deixar as atividades complementares de representação (ou não, a critério do professor) e começariam a se familiarizar com o que chamo de Literatura de transição: O Guarani, O Seminarista, por exemplo, e outros clássicos, além de alguma coisa como Pássaros Feridos, A Menina que Colecionava Livros, O Caçador de Pipas, entre outros. Neste rol eu incluiria meu livro, O Visitante. Por fim, no 3º ano, os clássicos de temática adulta: Dom Casmurro, O Cortiço, Memórias Póstumas, outros como O Código da Vinci e o meu A Batalha de Poitiers. Eu creio que assim haveria uma forma de conduzir os jovens pelo único caminho que realmente leva uma pessoa a se tornar diferenciada. E que bom seria se todos fossem diferenciados neste país!

Prezada Iara, como você vê, este é um roteiro para as gerações futuras. Os textos poderiam até ser lidos numa tela de computador, sem problemas. Todavia, eu acho que as atuais gerações do controlC/controlV estão perdidas. Obviamente, tudo que expus ao longo do texto deveria ser acompanhado de escrita, o jovem precisa exercitar a arte da escrita, coisa que já se perdeu nas nossas escolas hoje em dia. E talvez vejamos, uma luz no fim do túnel que seja realmente a saída e não uma locomotiva vindo em nossa direção...

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Conto da Carochinha

O termo seleção presume uma escolha acurada de alguma coisa. Uma Seleção Brasileira de Futebol presume a escolha acurada dos melhores elementos para o bom desempenho desse esporte. Todavia, apenas no Brasil, eu creio, que a coisa não é bem assim. Forças sobrenaturais impedem que o torcedor brasileiro veja os melhores em cada posição atuando. Senão, vejamos: alguém se lembra da máquina cruzeirense vencedora da Tríplice Coroa em 2003 (Campeonato Mineiro, Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro)? Aquele time tinha um excepcional maestro: Alex. Naquele ano, o moço foi convocado para compôr a Seleção Brasileira que disputou a Copa das Confederações. Todavia, o então técnico Parreira (técnico?) optou por Ricardinho, pois, em sua opinião, ele trabalhara com este e mais outros dois no Corinthians (não me lembro os nomes) e formado o “meio campo dos sonhos”. O Brasil perdeu a Copa e o Alex entrou no útlimo jogo por 15 minutos e a postura da Seleção mudou com sua entrada (parece-me que ele marcou até gol), mas a clasificação já estava perdida. Nada contra o Ricardinho, mas o Alex é melhor.

Não me causou surpresa nenhuma a derrota para o Paraguai no último domingo pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, e o empate com a Argentina foi obra do acaso. Os portenhos mereciam ganhar. O que me causou surpresa foi a arrogância de determinados cronistas esportivos ironizando os paraguaios, antes daquele jogo, simplesmente porque estes tomaram uma postura de favoritos contra o Brasil. E ganharam mesmo. E isso me remete ao tema inicial: o melhor.

Uma Seleção Brasileira deve começar por ter o melhor técnico. Todavia, o que o brasileiro vê no banco do Brasil é o Dunga. Respeito sua trajetória como jogador, mas nosso time precisa do melhor. E o melhor é, sem dúvida, o Luxemburgo. Arrogante, vaidoso, enjoado, mas tem por que ser. É o melhor, ainda que tenha muita gente que não goste dele.

O nosso futebol parece um conto da Carochinha, mais propriamente Branca de Neve e os Sete Anões. A heroína não sei onde anda, mas os outros sete protagonistas estão aí. É só procurar. Tem o Zangado, o Dengoso, o Atchim, o Mestre, o Soneca, o Dunga, o Feliz... O Dunga é o Dunga, o mais atrapalhado; o Leão poderia ser o Zangado; o Felipão... quem poderia ser? Mas o Mestre é o Luxemburgo. Enquanto o Dunga comanda a Seleção, o Alex arrebenta no Fenerbahçe, da Turquia, não é convocado, e o nosso time não tem meio-campo... e todos culpam os atacantes. E só se lembram de Ronaldinho Gaúcho ou Kaká. E o Luxemburgo permanece fora. O Mestre é obrigado a apenas ficar observando. Enquanto isso, o nosso conto de fadas, ao estilo dos irmãos Grimm, que é a classificação para a Copa, corre o risco de se tornar uma história de terror, bem ao estilo de Stephen King, que é a eliminação. Não seria a hora de agradecer os préstimos do nosso querido capitão do Tetra e entregar o leme da nau brasileira para quem realmente é do ramo?

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Conselhos Editoriais 1

Obviamente, optar por ser escritor neste país é uma quase insanidade. Um país tão grande que lê tão pouco. De forma que ser escritor é estar alguma outra coisa, pois viver de Literatura é impensável. Assim, eu estou controlador de tráfego aéreo em Palmas. Depois de dois romances escritos e premiados em Goiás, já desisti há muito de buscar a publicação dos mesmos pelas grandes Editoras. Contento-me em tê-los editados em pequenas tiragens (mil exemplares cada um) garantidas pelas premiações. O Visitante venceu a Coleção Karajá 2000; A Batalha de Poitiers, ganhou o principal prêmio literário de Goiás em 2003 (Bolsa de Publicações Hugo de Carvalho Ramos). Ou seja, julgados por duas comissões de concurso diferentes, formadas por outros bons escritores, por duas vezes os meus textos foram considerados os melhores.

Na tentativa de editá-los por alguma grande Editora nacional, acabei chegando a algumas amargas conclusões. Penso que os conselhos editoriais ou equipes de leitura destas editoras são compostas por profissionais de leitura. Profissionais de leitura não presume bons leitores. Um profissional de leitura é um sujeito que saiu de uma Universidade formado em Letras ou outro curso afim e é contratado para este trabalho. Ocorre que, na maior parte das vezes, este indivíduo tem idéias pré-concebidas. E não me venham dizer que não! Assim, na opinião deles, se você não faz Literatura “engajada”, você não tem qualidades para ser editado. Desta forma, se você não escreve sobre violência urbana, delinqüência juvenil, prostituição infantil, seca no Nordeste, fome no Cerrado, ou outras mazelas deste naipe, você é um alienado, um aliado do sistema. Ou seja, sua Literatura só tem “valor” se ela é sombria, para baixo, materialista e dialética, como manda os bons preceitos do Marxismo.

Pois bem, na minha opinião, este tipo de texto nada mais é que Literatura denuncista. Apresenta o problema, mas não a solução. Os esquerdistas de plantão (antes que digam qualquer coisa, eu já militei em partido de esquerda e não tenho ilusão nenhuma a respeito das suas propostas) acham que isto é revolucionário, quando são tão-somente denuncistas.
Literatura revolucionária é aquela que busca a renovação do Homem, apresenta a correção, a honestidade, o respeito, etc., como alternativas à corrupção, à violência, ao desrespeito, etc.. Daí eu posso dizer que meu texto é revolucionário. Quem não gostaria de ser Robert, ou Sigebert, ou Carlos? Ou Lady Catherine, ou Bonne, ou Veleda? São todos personagens de meus livros. São personagens diferenciados, humanos, quase o tempo todo corretos. Porque o quase ser é que os torna humanos, a caminho de serem totalmente corretos. O gostar de ser é já um início para começar a ser realmente. E a verdadeira revolução se dá quando ela acontece nas mentes e nos corações das pessoas. Em suma, minha Literatura é luminosa, para cima, espiritualista e metafísica! Alguém nota alguma semelhança com aquilo que é considerado boa Literatura por estas equipes de leitura?

Conselhos Editoriais 2

Os que escrevem sobre as mazelas da sociedade brasileira nem sempre vivenciam ou vivenciaram as atribulações daqueles que citam em seus textos. Escrevem sobre problemas que não os atingem. Escrevem com a idéia de fazerem uma revolução e a única revolução que ocorre é em suas contas bancárias, que ficam cada vez mais fornidas. Escrevem porque, na opinião das Editoras, os leitores brasileiros “gostam” deste tipo de Literatura. Escrevem, escrevem... e os leitores não têm alternativas. Estes compram porque, na maior parte das vezes, há um bombardeio da mídia para a divulgação de tal ou qual obra. Não é uma Literatura agradável.

Todavia, as vendas de livros estrangeiros vão muito bem, obrigado. E os xenófobos de plantão elevam as mãos ao céu e perguntam: “Por que? Nossa Literatura é melhor, nossos autores são melhores. Por que?” É exatamente o contrário: os livros estrangeiros são, em sua grande maioria, livros melhores, abrangem temas universais, é uma Literatura aberta. E os críticos embarcam na mesma canoa. Em vez de reconhecerem as qualidades de determinada obra de sucesso, preferem destacar as possíveis incorreções do texto. Querem um exemplo? O Código Da Vinci. Grande livro, grande argumento, grande montagem. Todavia, o que mais ouvi a respeito foi de um preconceito absurdo! Que só alcançou sucesso mundial por ser polêmico, por força da mídia, etc..

No Brasil, você não pode escrever fora do que está nos cânones. Não fosse pelo fato de ser uma personalidade, é pouco provável que Jô Soares tivesse conseguido editar O Xangô de Baker Street. E convenhamos, é um ótimo livro! Mas não se encaixa nos cânones estabelecidos. Eu vejo as campanhas do Governo para tentar fazer os jovens aprenderem a gostar de ler. Todavia, quando é apresentada uma lista de livros para pré-adolescentes e adolescentes em escolas, esta contém os grandes clássicos da Literatura brasileira: Dom Casmurro, O Cortiço, Vidas Secas, O Ateneu... Como um garoto ou garota de 10, 12 anos pode adquirir gosto pela leitura com obras como estas, de temática adulta e recheadas de desgraças? Por que não fazer uma lista diferente, de texto mais leve, mesmo que contemple autores estrangeiros? Os Meninos da Rua Paulo, de Ferénc Molnár, encabeçaria a minha lista. O Xangô seria outro. E por que não as aventuras de Harry Potter? Machado de Assis, Aloísio de Azevedo e outros poderiam ser indicados apenas para os pré-vestibulandos de 15, 16 anos. É minha opinião.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A Lei de Biossegurança e o Sonho de um Estado Laico

A votação da Lei de Biossegurança no Supremo Tribunal Federal expôs uma divisão crucial que existe no pensamento brasileiro. Verdade é que, às vezes, nossa sociedade não consegue separar o que é secular do que é religioso. Baseada na opinião de uma Entidade, a Igreja Católica, o STF quase mandou o país para o mesmo limbo para o qual tendem a mergulhar outros países que vetarão, certamente, as pesquisas com células-tronco. Baseados em uma opinião. Nada mais. Afinal de contas, a Ciência já definiu e demonstrou que a vida de qualquer ser humano começa com a formação do cérebro. De um ponto de vista mais hermético, digamos, quando o ser humano adquire a possibilidade de ter sensações. A dor é uma delas. Daí, um embrião não é um ser humano, nem mesmo um feto. Ainda não é um ser humano e não o será, a não ser que seja implantado. Todavia, já estava definido que apenas aqueles que seriam descartados seriam usados em pesquisas. Daí seu encaminhamento para tal nem deveria ser discutido. Todavia, devido à opinião da Igreja, isto teve de chegar até o Supremo e passar por um (!) voto de vantagem.

Isto remete aos tempos do então presidente da República, José Sarney, quando este vetou a exibição nos cinemas do país, em 1985, do filme de Godard, Je vous salut, Marie, simplesmente porque, na opinião da Igreja Católica, a película vulgarizava a figura da Santa Mãe. Não discuto a grandeza da figura de Maria, que, como cristão, eu também respeito e venero, todavia o meu direito, e o de todo brasileiro, de ver o filme de Godard no cinema foi suprimido em função da opinião da Igreja Católica de que o mesmo era ofensivo.

Todos os dias eu acordo com a esperança de viver, um dia, num Estado laico, em que as conquistas da Ciência, baseadas em pesquisas, testes, experimentos e todo o aparato que sustenta as nossas conquistas tecnológicas e até sociais, tenham prevalência sobre opiniões, por mais louváveis que possam parecer, em julgamentos deste tipo. Não custa lembrar que, baseada em suas opiniões, a Igreja promoveu a Inquisição, da qual é inútil lembrar os feitos. Outro exemplo: no início da colonização do Taiti pelo século XVI, para convencer os nativos do quanto o trabalho é sagrado e importante, os missionários católicos cortaram todas as árvores de fruta-pão, simulando o estado de escassez para o qual a civilização foi criada, na opinião da Igreja, uma vez que, quando eles tinham fome, apanhavam frutas-pão para comer. Sinceramente, existe bom-senso nisso?

Assim, sempre que algum tipo de obscurantismo ameaça passar como um ciclone sobre o bom senso, ou sobre as grandes virtudes que nos tornam melhores, ou que nos proporcionam melhores condições de enfrentar as lides de cada dia, confesso, sinto um desalento muito grande.