quarta-feira, 25 de junho de 2008

Trecho de "A Batalha de Poitiers"

Por duas semanas, Carlos, com os filhos, Caribert e mais meia dúzia de auxiliares, percorreu uma parte da fronteira da Austrásia com a Aquitânia. Desceu até Orléans, depois Blois até Tours. A igreja de São Martinho deveria ser o principal alvo do exército sarraceno. Era a mais rica igreja da Gália, recebendo doações de todas as partes em função da devoção ou das graças recebidas.
Carlos imaginou que seria ali a trajetória dos sarracenos e desceu o caminho em direção a Poitiers, ao mesmo tempo em que estudava o terreno. Ao cruzarem o rio Vienne, parou por um instante. Apesar de conhecer muito bem o território franco, aquela região não lhe era totalmente familiar.
Era um planalto limitado pelos vales dos rios Vienne e Clain. Um terreno espaçoso, mas ao mesmo tempo suficientemente estreito para impedir a expansão da cavalaria sarracena, tática que dera a vitória aos muçulmanos em todas as batalhas anteriores. Carlos desmontou e com ele todos os seus acompanhantes. Com um sinal apenas ordenou que todos ficassem ali e andou pelo terreno amplo, ao sul do qual havia um bosque.
Carlos admirava a paisagem aberta como se já a visse cheia de homens armados, prontos para atirarem-se uns contra os outros. No íntimo já sabia que sua busca terminara. Seria ali que o futuro de toda a Cristandade decidir-se-ia. E ele estaria à cabeça das forças cristãs, antepondo a verdade de sua religião contra uma outra verdade. Quem venceria? Nem mesmo ele saberia dizer.
Apesar de tudo, nem sempre uma infantaria resiste a um ataque montado. Carlos arriscava sua sorte e de todo o seu povo numa estratégia arriscada. Mas não tinha alternativa. Sua cavalaria não conseguiria fazer frente aos árabes. Agachou-se, pegou uma pedra do chão e olhou-a longamente. Depois acariciou a terra como a tentar arrancar dela seus segredos e sua força. Olhou o curso do rio Clain e caiu em funda meditação. Praticamente teriam de assistir à queda e ao saque de Poitiers sem reagir. Mas seria como entregar um dedo para não perder a mão.
Depois de mais de meia hora, deu-se por satisfeito e retornou para junto dos seus.
― Senhores, será este o lugar. Seja o que Deus quiser.
Montaram e deram meia volta. Paris estava longe e ele ainda teria de reunir seu exército. Em Tours, um correio alcançou-o com uma notícia deplorável. Depois de uma resistência heróica, finalmente Bordeaux caíra nas mãos dos sarracenos e fora totalmente saqueada. Parte da população que não fugira a tempo fora aprisionada e escravizada. Carlos sentiu uma raiva imensa. Afinal, os aquitânios eram tão Francos quanto ele mesmo. Mas como cabeça de seu povo deveria esperar pela hora certa de recobrar o que fosse possível.
Martel chegou a Paris três dias depois. Em nome de Theuderico IV publicou a convocação e a distribuiu aos arautos para anunciarem-na pelos quatro cantos do Reino. Era uma questão de sobrevivência e de liberdade.

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