segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Trecho de No Caminho dos Martírios



Após a travessia, os dois continuaram sua rotina. Às vezes era uma mata fechada, outras uma savana, outras uma mata rala. Todavia, cruzavam sempre com trilhas de índios. Algumas vezes chegavam a avistar alguns e, então, ficavam imóveis.
Ramiro descobriu que o tempo exposto ao sol fizera com que as peles que lhes cobriam os corpos e os banhos mais freqüentes devido à abundância de água tinham amenizado muito o fedor de seus corpos e já não corriam tanto perigo quando da primeira vez que viram os nativos depois de Martírios.
Ramiro tinha definido que deveriam seguir algum tempo para sudeste, sabendo que em algum lugar ali deveria ficar o arraial do Duro (*). Só não sabia a quantos dias de caminhada. Do mapa do garimpeiro, ele já nem se lembrava mais.
Após algumas semanas chegaram ao sopé de uma serra que se estendia para norte e sul a perder de vista. Ramiro apontou para o alto.
– Vamos subir. O Duro deve ficar a sudeste. Chapada fica a sudoeste, mas eu não me lembro quem está mais perto. Prefiro ir na direção do arraial do Duro. Então, se formos contornando a serra acabamos voltando para o rio ou passamos direto pelo único lugar que deve ter algum branco morando.
Tomé nada disse. No meio das árvores esparsas, onde o facão era dispensável, ambos foram subindo o ligeiro aclive, agarrando-se aos troncos mais finos de árvores pequenas e alcançaram o cume da serra e viram-se no alto de um planalto imenso, do qual se destacava um ou outro morro ao longe, vales que recortavam o relevo irregularmente.
Os dois sentaram-se num lugar elevado para admirar a paisagem, enquanto aquilatavam o trabalho que ainda tinham pela frente. Onde, em meio àquela imensidão verde-amarelada, haveria um povoado no qual poderiam descansar e seguir depois, seguramente, para suas casas? Sem resposta, colocaram seus fardos às costas e seguiram em frente.

***

Depois de alguns dias seguindo para sudeste, Ramiro determinou que deveriam seguir sempre para o sul dali por diante. Com alguma sorte, poderiam chegar a alguma estrada feita por brancos e que conduzisse a um povoado qualquer, fosse qual fosse.
O cardápio dos dois homens variava a cada dia. Sem noção de tempo, não sabiam em que estação estavam. Já não chovia fazia dias, mas não tinham condições de saber se era inverno, ou primavera, uma vez que as noites eram de temperatura amena, com os dias de calor infernal.
Uma vez, andaram por alguns dias sem encontrar água. A reserva que tinham acabou-se pelo segundo dia e a esperança de acharem algum ribeirão pela frente não se confirmou. Assim, caminharam sob o calor escaldante da região sem acharem uma só gota.
Ao final do segundo dia sem água, ambos estavam exaustos e procuravam em cada fresta de vegetação avistar algum brilho que pudesse significar a presença do líquido essencial. Mas, nada! Tudo o que viam era um verde que lhes parecia tedioso, mas que em outras circunstâncias, seria maravilhoso. Insetos circundavam-nos o tempo todo. Com o peso do ouro, cada passo era uma batalha vencida.
Caminhavam dificultosa e desanimadamente, quando Tomé ergueu a cabeça ligeiramente.
– Capitão! Vosmecê está escutando?
– O que, Tomé?
O mineiro não disse nada apenas escutava. Por fim, apontou para um lado.
– Por ali.
Tomé foi afastando os galhos e Ramiro, que em princípio nada ouvira, agora escutava claramente. Deixando o ouro para trás, os dois venceram algumas dezenas de metros para sair num local que era a visão do céu.
Despencando de uma altura de várias dezenas de metros, uma queda d’água descia do alto de um rochedo encravado na serra, formando um poço na base da pedra.
Os dois homens não pensaram duas vezes. Correram até ali e saciaram a sede torturante. Depois, tiraram suas roupas improvisadas e mergulharam na água fresca e revigorante.
Sentiam que a Natureza dava-lhes uma trégua. Era tudo o que precisavam. O poço era bem melhor que qualquer simples riacho no qual se banharam nos últimos meses. Deram-se ao luxo de ficar ali até o fim do dia. Retornaram até o local onde ficara o ouro, levaram-no até a cachoeira e dormiram até o dia seguinte, consolados e ninados pelo som da altíssima cascata.
 (*) (Dianópolis-TO)

No Caminho dos Martírios

No Caminho dos Martírios ganhou o prêmio Hugo de Carvalho Ramos, principal concurso literário de Goiás, em 2010, promovido pela União Brasileira de Escritores – Seção Goiás, e patrocinado pela Prefeitura Municipal de Goiânia. Martírios foi escrito em pouco menos de 30 dias, entre maio e junho do mesmo ano.
O tema foi recomendado pelo meu amigo escritor Itamar Pires. Curiosamente, a sugestão me foi dada logo após eu vencer o mesmo concurso em 2003, com A Batalha de Poitiers. Na ocasião, o Itamar me propôs escrever uma história sobre Goiás, ao que eu argumentei que meu interesse eram romances históricos e o Brasil, mesmo no Século XIX, era subpovoado e eu não tinha intenção de escrever uma história em que só tivesse “índios e mato”, enquanto a Europa já era uma sociedade madura desde os tempos de Cristo. Reconheço que fui preconceituoso, mas era o que eu pensava. Ele então me contou por alto sobre a lenda de Martírios. Eu sugeri que ele escrevesse a história, mas disse que não era sua área. O Itamar é um ótimo escritor de livros contemporâneos, com alta dosagem psicológica em seus dramas. Assim, a ideia ficou incubada.
Em 2010, resolvi escrever um novo romance e, se possível, ganhar novamente o Hugo de Carvalho Ramos. Para tanto, pensei, nada melhor que um romance histórico sobre Goiás. E resolvi escrever a história sobre Martírios. Logo que iniciei as pesquisas, eu concluí que me enganara redondamente sobre a História de Goiás. A riqueza do material que se me apresentou foi uma gratíssima surpresa.
A História desse Estado é linda! Os homens que o colonizaram (independentemente da releitura que se faz sempre da História) se me afiguraram como titãs. Somente a ideia de que eles cortaram o sertão à base de facão é espantosa! Quem já teve a oportunidade de ver o que é o cerrado denso, o chamado “mato grosso”, pode ver que era um trabalho absurdamente difícil.
Desta forma, foi um prazer enorme escrever a história, tanto que o fiz num tempo bem curto (A Batalha também foi assim).
No Caminho dos Martírios conta a história de um poderoso fazendeiro de Goiàs, capitão Ramiro, que alia-se a uma das expedições que tentaram achar o local fabuloso e, enfrentando as forças da Natureza, ele acaba encontrando o seu Destino.
No Caminho dos Martírios tem prefácio, capa e editoração gráfica de Itamar Pires, 218 páginas e foi editado em fevereiro de 2012.
Segue abaixo a introdução, de minha autoria:
Em 1682, as bandeiras de Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, e Manuel de Campos Bicudo encontraram-se no interior das terras dos Goyases, às margens de um rio perdido no meio de uma floresta habitada por índios selvagens e animais carnívoros. Eles se depararam com uma imensa rocha, cuja forma se assemelhava a uma coroa de espinhos como a que teria envergado Jesus Cristo, bem como inscrições e desenhos que lembravam os instrumentos do flagelo de Nosso Senhor. Por isso deram o nome ao local de Martírios.
Na expedição do Anhanguera estava seu filho de mesmo nome, Bartolomeu Bueno da Silva, então com cerca de 14 anos de idade. Na expedição de Bicudo estava seu filho, Antônio Pires de Campos, o futuro Pai Pirá, mais ou menos da mesma idade do Anhanguera filho. Ambos relataram posteriormente que se divertiam colhendo pedras roliças de ouro bruto para brincar com elas.
Quarenta anos depois, o Anhanguera Filho retornou ao sertão das terras dos Goyases perseguindo a visão feérica do local que marcou inolvidavelmente seus olhos de adolescente. Vasculhou os sertões por três anos e dois meses sem conseguir acertar com o fabuloso lugar. Por fim, fundou e fixou-se no arraial da Barra, dando origem ao Estado de Goiás.
Esta foi a raiz da lenda do maravilhoso local onde o ouro brotaria do chão. Cinco expedições, pelo menos, foram organizadas para encontrá-lo, sem sucesso.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Dilma em ação

Reproduzo o texto do sociólogo Marcos Coimbra, presidente da Instituto Vox Populi in Carta Capital de 03 de fevereiro de 2013.

"O comportamento de nossas oposições é, às vezes, francamente infantil. Parece-se com as crianças pequenas que gostam de atazanar os coleguinhas maiores com chutes, beliscões e xingamentos. E que choram quando os grandes reagem e lhes dão um chega pra lá.
Acabamos de presenciar uma dessas situações. Nos últimos dias, o que mais se ouve são as queixas oposicionistas contra o protagonismo adotado por Dilma Rousseff em seu pronunciamento a respeito das questões energéticas e da redução das tarifas de eletricidade.
As oposições não gostaram do discurso. Seja na nota oficial do PSDB, seja nos editoriais da imprensa oposicionista ou nas “análises” dos entendidos recrutados por elas, disseram-se indignadas com o conteúdo e a forma da manifestação.
O mínimo que afirmaram é que, ao convocar cadeia nacional de rádio e televisão para anunciar as posições do governo, a presidenta havia se aproveitado das prerrogativas do cargo e feito campanha em favor da reeleição.
Supor que Dilma tenha resolvido se pronunciar em busca de dividendos eleitorais é ignorar quem ela é. Aqueles que a conhecem sabem: em condições semelhantes, ela diria exatamente o mesmo, ainda que não cogitasse se candidatar a nada. Sabem também que seria improvável que ela permanecesse indefinidamente calada, ouvindo o que andou ouvindo.
Quando o grande plano das oposições para voltar ao Planalto fez água, elas passaram a se dedicar a outra estratégia. A espetacularização do julgamento do “mensalão” não causou os danos que esperavam na imagem do PT, como ficou evidente à luz de seu desempenho na última eleição e perante o favoritismo dela e de Lula nas pesquisas sobre a sucessão em 2014.
O antipetismo teve de mudar o alvo.
As oposições parlamentares e extraparlamentares dirigiram suas baterias contra Dilma, querendo desmoralizar o governo. Tudo se tornou pretexto para acusá-lo. A elas, a rigor, nunca importou a razão de cada crítica, se o avaliavam mal por considerá-lo ignorante, incompetente, corrupto ou qualquer outra coisa. O que buscavam era sempre ter uma denúncia para incomodá-lo.
Bateram no governo sem parar. Os articulistas e comentaristas da “grande mídia” fizeram a festa, espicaçando-o pelo que fazia, pelo que deixava de fazer e pelo que nem estava em seus planos. O retardo das chuvas de verão veio a calhar. Sentiram o gosto da vitória que poderiam ter sobre a presidenta, que se orgulha de conhecer o setor elétrico. E acreditaram que se desforrariam: após o vexame do apagão tucano, o PT amargaria o seu.
A presidenta cumpriu com seu dever ao falar diretamente ao País. Depois de três meses de bombardeio negativo, em que os esclarecimentos dos responsáveis mereceram espaço minúsculo na mídia, cabia a ela apresentar a versão do governo.
O pronunciamento foi em tom político, coisa que não é comum em Dilma, que prefere falar de maneira técnica.
Dá-se o caso que o tema já estava politizado e que seria difícil tratá-lo de outra maneira. Para esclarecer o que pensava, ela tinha de dizer por que discordava da oposição.
Não deixam de ser curiosas as expectativas que alguns setores da sociedade têm em relação ao PT e suas lideranças. O que consideram normal nos políticos da oposição torna-se pecado quando vem de um petista.
Os pesos e as medidas são completamente diferentes para os dois lados.
Receber e não declarar recursos para fazer campanha? Nomear correligionários para cargos públicos? Indicar aliados para funções na administração? Tudo isso é regra no sistema político brasileiro. Mas estaria proibido ao PT, que deveria amarrar as mãos e assistir aos adversários fazerem o que apenas a ele é vetado.
Dar a outra face quando atacado? Nenhum faz isso, a começar por alguns dos mais ilustres representantes do oposicionismo, que são incensados quando se mostram duros e até vingativos (ou alguém se esqueceu de quem é e como atua José Serra?). Mas Dilma teria a obrigação de apanhar calada.
O fato é que ela não é assim. E é bom que deixe isso claro desde o início do ano, que deve ser parecido a janeiro no denuncismo. Com sua grande popularidade e o apoio quase unânime do País, é bem provável que tenha de voltar aos meios de comunicação. Quando a provocarem além do normal.
E não vai adiantar fazer beicinho."