segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A aposta na mediocridade

Segundo amplamente divulgado, a Globo teve no domingo, dia 11/12/2011, seu pior desempenho no ibope (minúsculas mesmo, ou seja, audiência) de toda a história. Sem a atração dos jogos do Campeonato Brasileiro, a emissora carioca obteve, em média, 10% dos aparelhos ligados na Grande São Paulo, contra 12% da Record. Pela primeira vez, desde que foi para a Record, Gugu Liberato ficou à frente de Fausto Silva durante todo o tempo que duraram os programas de ambos.

Diz o ditado que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória. Somente quem viveu as décadas de 70 e 80 do século passado sabe o que representava a Globo em termos de TV no Brasil. O último capítulo de Selva de Pedra em 1972 obteve a hoje impensável marca de 100% dos aparelhos ligados! Era uma época em que a Globo era o veículo de mídia da Ditadura, mas isso é sobejamente sabido e não vou entrar em divagações ideológicas ou idealistas. Quero abordar outro aspecto.

No final dos anos 60 e começo dos anos 70, ainda não se falava em “redes de televisão”. Ainda mais que as primeiras transmissões em rede apareceram em 1969, para a transmissão da Copa do Mundo, primeiro grande evento transmitido ao vivo para o Brasil.

Abro aqui um parêntesis para dizer que me lembro perfeitamente da primeira transmissão ao vivo para Uberlândia, pela antiga TV Triângulo, hoje Rede Integração, afiliada da Rede Globo (a primeira, por sinal), um jogo de futebol, Santos e Corinthians! A imagem toda chuviscada, mal dando para perceber os jogadores. Mas era uma transmissão teste, e meu saudoso pai, corinthiano doente, mexendo na antena interna, buscando um melhor sinal. Pelé e Rivelino jogando!!!

Um tempo totalmente diferente, quando cada emissora pelo Brasil afora podia comprar programas de qualquer emissora de São Paulo, ou Rio. Assim é que a TV Triângulo mostrou os Festivais da Canção da Record, algumas atrações da extinta TV Excelsior, como a novela Redenção, eu acho, da TV Tupi, etc.. Por outro lado, ninguém em Uberlândia viu Irmãos Coragem, da Globo! Interessante, né?

Pois bem. Era um tempo em que a Globo podia se dar ao luxo de apresentar, nas manhãs de domingo, um programa visualmente belo e intelectualmente fino: Concertos para a Juventude, quando, durante uma hora, orquestras eram apresentadas tocando clássicos da música erudita! Dá para se pensar nisso hoje?

Vila Sésamo era apresentada no final da tarde e voltada para o público infanto-juvenil. Apesar das situações engraçadas criadas, com Garibaldo e Cia., com Aracy Balabanian e Sônia Braga e todo o elenco, os bonecos traziam ensinamentos que preparavam, de certa forma, as crianças para a escola, quando não, para a vida.

Todavia, era uma época em que, como hoje, as forças dominantes não tinham o mínimo interesse em que o povo se tornasse informado e culto. Como já escrevi algures, povo desinformado é povo controlado. É gado.

Assim, exceto por um ou outro programa educativo em horário nobre, eram inexistentes outros. As novelas iam moldando os gostos, a moda, os costumes. A fórmula genial criada pelo Boni, com três novelas, a das sete (não existia a das seis), a das oito (que transformou-se em “das nove” por conta da concorrência da novela Pantanal, da extinta Manchete que estava “engolindo” o noticiário da Globo) e a das dez (algumas marcaram época: Bandeira 2, Gabriela, Saramandaia, O Grito, etc.), com o Jornal Nacional e a linha de shows às nove (só para citar alguns, Planeta dos Homens, Viva o Gordo, Globo de Ouro, o antigo A Grande Família) no meio.

E a Globo apostou no status quo, pensando que sua liderança jamais seria contestada.

Todavia, no começo dos anos 80, com o surgimento do SBT encima das cinzas da finada Rede Tupi, e a emissora de Sílvio Santos apostando numa programação voltada para as camadas populares, justamente aquelas abandonadas à sua sorte pela Globo, a poderosa emissora de Roberto Marinho começou a perder espaço nos lares brasileiros. Um processo bastante lento, mas que acabou dilapidando a quase unanimidade da Globo.

Com uma proposta muitas vezes apelativa, o SBT, depois as demais, Record, Rede TV!, etc, fizeram da audiência uma pizza diluída por vários usuários. E chegamos no final de 2011 com a poderosa Venus Platinada perdendo, pela primeira vez, a liderança absoluta para uma rival específica, a Record.

Quem planta, colhe. Hoje, com as “atrações” do Faustão aos domingos sendo do quilate de César Menotti e Fabiano (argh!), Marco e Mário (putz!), Michel Teló (caramba!), Luan Santana (ui!), não dá para esperar muito. Afinal, são as mesmas apresentadas nas concorrentes. Fica apenas o carisma ou a capacidade de enrolar o público, ou de apresentar alguma baixaria de maior quilate. Quem não se lembra do Faustão trazendo pela mão um cantor do Nordeste, eu acho, de pouco menos de um metro de altura, ou do Gugu apresentando uma entrevista com um suposto criminoso de uma facção criminosa, ameaçando meio mundo de morte? Isso foi noticiário na Imprensa por semanas. Audiência a qualquer preço!

Voltando à vaca fria. Caso tivesse apostado na Cultura brasileira, na Educação, a Globo hoje poderia desfrutar das mesmas audiência e liderança que desfrutou por décadas. Bem como ser lembrada, depois da Ditadura, como o veículo que ajudou a tornar nossos habitantes em verdadeiros cidadãos. No entanto, apostando em políticos corruptos e na vulgarização dos costumes, a poderosa emissora carioca, hoje, colhe os frutos que plantou. Temos um povo de terceira categoria, sem cultura, sem identidade, do qual 33 milhões não sabem ler ou, quando lêem, não sabem interpretar o que leram; os analfabetos funcionais.

Fausto Silva cita, vez por outra, seu antigo programa na Band, o Perdidos na Noite. Lembro que eu costumava assisti-lo todo sábado à noite. Era a oportunidade de ver e ouvir as verdadeiras atrações do programa. Verdadeiros artistas da música brasileira: Alceu Valença, Guilherme Arantes, Zé Ramalho, Milton Nascimento, Beth Carvalho... Bem diferente do que aparece na tela do plim-plim hoje. Fora as brincadeiras inteligentes daquele programa, ironizando a mesma Globo com o Tela Morna, por exemplo.

A Globo apostou na mediocridade. Hoje, o povo brasileiro é pura massa de manobra daqueles que faturam alto sobre a ignorância dos semelhantes. Como urubus sobre a carniça. Exploram a parvoíce geral. Precisam disso. Se aparece uma “nova” dupla sertaneja, é porque uma já está em decadência. Cheguei a essa conclusão com o “advento” de Marco e Mário. Que dupla estaria em decadência ou se desfazendo? Rick e Renner, foi a minha conclusão! A “nova” vem para substituir a “velha”. É assim que funciona. Se alguma outra dupla começar a cair, podem ter certeza que uma outra vai aparecer. A máquina vai muito bem azeitada.

Aposto que se fizerem uma pesquisa, vão ver que a cada aparecimento de uma “dupla de sucesso”, é porque outra já deu o que tinha que dar. Alguem aí ainda se lembra de Gian e Giovanni? Por outro lado, Vítor e Léo estão bombando!

Não tenho certeza se a Globo vai afundar ainda mais. Afinal, ela tem muito dinheiro e os direitos de imagem sobre os principais times de futebol do país. E o futebol é o ópio do povo. Mas, até quando? A Record já mostrou que também tem dinheiro. No momento em que a Venus perder mais essa atração (já perdeu o Pan e as Olimpíadas) tende a cair mais ainda. As novelas da emissora do Bispo ainda perdem em qualidade na sua produção e seu visual. Mas a distância para as da Globo já não é tão grande. E se a Record conseguir roubar o espaço das novelas da Venus, creio que não sobraria muita coisa da emissora carioca. A Globo nunca soube nem precisou correr atrás.

O Boni nunca fez tanta falta para a Globo!

domingo, 18 de dezembro de 2011

Lembrando 2006 (1)

Na “cola” do artigo interior (Os incomodados que se mudem), escrevo uma experiência semelhante que ocorreu comigo em 2006.

Desde que o Xadrez passou a fazer parte dos Jogos Abertos do Estado de Goiás em 2001 até aquele ano, eu fui o árbitro principal da modalidade. Sem grandes atropelos, já em 2001, com uma bagagem de mais de 15 anos como árbitro da Federação de Xadrez do Estado de Goiás, nunca tive problemas nas diversas edições dos jogos. Até 2006.

Na última etapa classificatória dos jogos, que ocorreu em São Miguel do Araguaia, como sempre, os árbitros e organizadores embarcamos na sexta-feira em frente ao Ginásio Rio Vermelho, no Centro de Goiânia, com destino a São Miguel, no ônibus que a AGEL – Agência Goiana de Esporte e Lazer – sempre disponibilizava. Sem levar em conta o atraso de mais de uma hora, um problema menor, uma vez que estava marcado o embarque para as 20 horas, saímos às 21 horas e 10 minutos.

Certamente, alguém pode perguntar como eu posso lembrar-me de tudo com tantos detalhes. É fácil responder: quem passa por algum tipo de experiência traumática, lembra de todos os detalhes facilmente.

Durante as 3 horas seguintes, dentro do ônibus, os árbitros da modalidade Capoeira (alem deles, tinham os de xadrez – eu, meus amigos Renato Genovesi e o saudoso Paulo César Leão Gomes – além de alguns do futsal, e alguns do pessoal de apoio) ocuparam o fundo do ônibus e passaram a berrar “letras” de “músicas” do naipe de “tira o carro, põe o carro”, “armei uma arapuca na beira da estrada”, além de outras pérolas da baixaria generalizada que já dominava e ainda domina hoje o mercado e as audições das rádios pelo Brasil a fora.

Volto a dizer que gosto é uma coisa pessoal, um ônibus é um ambiente fechado, e um princípio fundamental da boa convivência é o respeito. Obviamente, para quem ouve e berra esse tipo de lixo, esse tipo de conceito é incompreensível. Espero que quem ler este artigo tenha inteligência e discernimento suficientes para entenderem este princípio.

À 00 hora e 10 minutos, exatamente 3 horas após o início da viagem eu me virei para trás e pedi silêncio (em altos brados, não nego, mas a minha paciência já tinha se esgotado, naturalmente), uma vez que eu queria dormir (faltavam talvez umas 3 ou 4 horas de viagem ainda) e que meu ouvido não era penico.

A partir daí eu tive de ouvir palavras de deboche, agressões verbais, xingamentos, etc., uma vez que “todo mundo” gostava daquele lixo. Exceto alguns dos outros passageiros que se calavam, pois eram amigos e não queriam se indispor, ou porque gostassem “daquilo” também, ou temessem, talvez, uma agressão física, coisa que esteve prestes a acontecer, conforme me disse o Leão, já que eu estava tão possesso que não vi um sujeito se desgarrar daquela turba, um tal Toninho, um moreno alto e troncudo, e se aproximar de mim. E, certamente, eu teria sido agredido se, providencialmente (Providência Divina? Às vezes, penso que sim), os dois (!) pneus traseiros direitos do ônibus não tivessem estourado (!) e o motorista quase perdido o controle do ônibus em alta velocidade. Felizmente, ele conseguiu controlar o ônibus e leva-lo para o acostamento, bem perto de um posto na beira da estrada. Até cerca de 5 da manhã ficamos ali até que a organização dos jogos providenciasse algumas vans para buscar-nos e pude dormir pouco mais de duas horas antes do início das partidas, às 9 da manhã.

Tudo bem. As partidas terminaram no meio da tarde daquele sábado e só teríamos de esperar pela manhã ou tarde do dia seguinte para embarcarmos de volta para Goiânia. Segui para o hotel, onde eu pude, depois de um bom banho, dormir relativamente cedo e recuperar um pouco do sono da péssima noite anterior.

Tínhamos a opção – Renato, Leão e eu – de embarcarmos por volta de 2 da tarde daquele domingo no ônibus de volta para Goiânia. Ocorre que “pintou” uma Kombi da organização retornando ainda pela manhã, por volta de 11 horas, e tinham vagas suficientes para nós três. Sem ter mais o que fazer naquela cidade, decidimos retornar nesta.

Lembrando 2006 (2)

Saímos de São Miguel do Araguaia com a Kombi cheia. Éramos 3 árbitros de xadrez, 6 árbitros de futsal e duas funcionárias da AGEL na frente com o motorista. De todos aqueles, quem eu conhecia eram as duas funcionárias (não vou citar nomes por motivos óbvios), com quem eu já havia cruzado em outras etapas ao longo daqueles 5 anos de Jogos Abertos.

Pouco menos de uma hora após pegarmos a estrada, o motorista perguntou se queríamos parar num posto para comermos e abastecer o veículo. Concordamos todos e paramos num posto simples, mas acolhedor e fizemos. Voltamos para a Kombi e ficamos esperando que as duas funcionárias voltassem, já que tinham entrado na loja de variedades anexa ao restaurante e lanchonete.

Finalmente, as duas retornaram e antes de entrarem na Kombi, uma delas virou-se para o motorista e disse: “Olha o que eu comprei pra nós “ouvir” na viagem: Gino e Geno, Daniel, Banda Calypso e Bruno e Marrone!” Imediatamente, eu me virei para o Renato e sussurrei: “Eu não acredito que esse pessoal vai colocar esse lixo na viagem.” O Renato disse: “Fica frio.” Acontece que não dá para ficar frio com aquilo no ouvido.

Nas 5 horas seguintes eu fui agredido e massacrado com aquele lixo. Desde o momento em que eu manifestei meu desconforto, seria natural em pessoas com um mínimo de princípios, perguntar se o som estava incomodando e, em caso de uma resposta afirmativa, retirar o que se estava tocando. Todos ficariam satisfeitos, uma vez que quem quer ouvir seu som preferido pode faze-lo em casa.

Todavia, aquelas duas imbecis, ao notarem que eu estava incomodado, fizeram questão de manter, quando não aumentar, o volume do som e soltavam sonoras gargalhadas com o meu descontentamento. A certa altura eu comecei obviamente, a xingar, não nego, ainda que baixo, para ver se aqueles duas cavalgaduras notavam que estavam passando dos limites. É claro que isso não funcionou. Acho que aquelas duas mentecaptas se julgavam as verdadeiras paladinas da música brasileira!

Pois bem. Tive de ouvir aquele lixo durante as cinco horas de viagem. Relembro o naipe dessa porcaria: Bruno e Marrone, Calypso, Gino e Geno e Daniel! Como já disse anteriormente, respeito Daniel pelo passado em fazenda. Gino e Geno têm história na música sertaneja autêntica, mas não fazem meu gosto. Os outros estão aí, simplesmente, para faturar (alto) encima das mentes simples, estúpidas e simplórias. No entanto, não paro para ouvir isso. Eu cresci à sombra dos Festivais da Canção da Record, quando uma música tinha de dizer alguma coisa ao intelecto, quando a música era um veículo de resistência à Ditadura Militar, quando as letras das canções tinham de ser suficientemente sutis para driblar a Censura. E aquelas tontas nem tinham nascido quando a Democracia voltou!

Por fim, chegamos em Goiânia e, ao descer, da Kombi, uma outra daquelas figurinhas chegou-se a mim e disse, com toda a “autoridade”: “Você tem respeitar as pessoas! Falando assim, você ofende as pessoas”.

EU OFENDO AS PESSOAS!!! Eu ser massacrado, ofendido e agredido por cinco longas horas não é ofensa! Mas eu xingar por estar sendo obrigado, num ambiente fechado, a ouvir uma coisa de que eu não gosto é ofensa! Talvez, alguém vai querer dizer: “Mas isso é Democracia. Se a maioria quer, você tem de ouvir.” Para esses medíocres, eu digo o seguinte: se um grupo de 10 ou 12 bandidos (marginais mesmo ou “rapazes de boa família”) se une para espancar um outro sujeito indefeso, apenas para exemplo, este indivíduo deve se sujeitar só porque os outros estão em maioria? Isso é Democracia?

O meu direito termina onde começa o de outro, e vice-versa. O direito daqueles desclassificados de ouvir o seu lixo terminava onde começava o meu direito de não ouvir. Eles tem o direito de ouvir, sim: no raio que os parta! Não na minha presença!

Para quem faz parte dos 33 milhões de brasileiros que, ainda que leiam, não entendem o que lêem, as palavras de Zé Ramalho são ininteligíveis. Para os que alcançaram um certo status intelectual, o que ele escreveu faz todo sentido: “Êh, oh, ôh, vida de gado/Povo marcado, êh/ Povo feliz.” Mas, não é? Panis et circensis, como diziam os romanos. Comida e espetáculo, este último, uma porção de mulheres e homens seminus se contorcendo num palco, para disfarçar a falta de conteúdo do que é berrado ou chorado por uma dupla de espertinhos de famílias ricas, vestindo roupas caras, botas e chapéus de couro, dizendo-se sertanejos! E tem gente que acredita!!! Ô, vida de gado!

Voltando à questão do respeito, inútil também dizer para esse pessoal que respeito é uma via de mão dupla: se o respeito vem, o respeito vai. Se não me respeitam, que direito tem de cobrar respeito? É outro conceito que o povinho que Deus pôs aqui não vai entender nunca. Quando se sabe que está incomodando e não se constrange, é porque se não tem princípios.

Por fim, a posteriori, eu soube pelo Renato, que era e ainda é o Coordenador de Xadrez dos Jogos, que a AGEL tinha pedido junto a ele a minha dispensa da arbitragem. Naqueles dias, eu estava sem um emprego fixo e, obviamente, o cachê de árbitro era um reforço interessante no meu orçamento, não nego. Seria uma “punição” por eu ter xingado os colegas, primeiro no ônibus, depois na Kombi. O Renato apenas respondeu que eu era o melhor árbitro da Federação (depois dele, claro, que é Árbitro Internacional da FIDE) e que ele não iria abrir mão da minha experiência e competência.

Quando eu cito a AGEL, eu quero dizer que, quando se coloca alguém num cargo de mando em qualquer empresa ou instituição, essa pessoa responde por esta entidade. Não me importa o nome da pessoa que pediu a minha cabeça ao Renato. Eu nem perguntei. A única coisa, para mim, que fica é que a AGEL chancelou as atitudes daquelas pessoas do ônibus e da Kombi. Que, afinal, eu estava de carona no ônibus e na Kombi, já que os demais tinham mais direitos que eu.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Os incomodados que se mudem

Há alguns dias atrás fiz uma viagem de ônibus de Uberlândia a Goiânia. Devo dizer que foi uma das mais confortáveis e também uma das mais desagradáveis que já fiz. Por questão de princípios, não vou citar o nome da Empresa porque não tem nada a ver. Ainda mais que, adivinho, a maioria dos que lerem esse artigo vão me crucificar, como fizeram comigo lá, mas não estou nem aí.

A Empresa, diferente daquela que eu constumeiramente utilizo (tive de comprar a passagem encima da hora e, não tinha passagem, utilizei esta outra), dotou aquela linha de um ônibus moderno. Tão moderno que tinha um DVD player em perfeito estado de funcionamento.

Até aí, tudo bem, não tenho nada contra quem quiser ver um filme durante a viagem, enquanto aqueles que não o desejam podem, simplesmente, ouvir uma música num MP3 ou MP4, ou mesmo ler um livro, ou fazer palavras cruzadas, sei lá. Ocorre que o motorista resolveu colocar um DVD de uma banda(?) (DJAVU!?) com o som nas alturas!

Abro aqui um parêntesis: gosto musical é uma coisa muito pessoal. Quem lustrou um banco de uma boa Universidade sabe o que estou falando. Já quem entrou ou cursou algum curso em “qualquer” “Universidade” não vai conseguir captar a sutileza. Estes últimos acreditam que exista “sertanejo universitário”(!) como se as duas coisas fossem compatíveis!

Pois bem. A começar que o motorista parou por mais de meia hora no depósito da tal Empresa para pegar encomendas que deveria levar na viagem. Aproveitei o momento para pedir, gentilmente, que ele tirasse aquele som, uma vez que esse “negócio” me incomoda e eu penso, por ser um princípio básico do Direito, que meu direito de não ouvir aquele lixo se sobrepõe ao daqueles que querem ouvi-lo. Ainda mais em se tratando de um ambiente fechado. O motorista simplesmente disse que não iria tirar porque “todo mundo” dentro ônibus estava gostando. Tentei ainda argumentar que a coisa não era bem daquela maneira, mas ele deu-me as costas e eu tive de retornar para o ônibus.

Nas quase duas horas seguintes, o ônibus transformou-se, naturalmente, no equivalente a uma boate de quinta categoria, com aqueles energúmenos berrando a todos os pulmões aquelas “letras”. Sem falar na baixaria que é aquelas mulheres rebolando sem um pingo de sincronismo, nas telas do DVD, em movimentos que não tem a mínima condição de ser chamados de dança.

Pensei que, ao fim daquela agressão, eu poderia esperar que o motorista tivesse o bom senso de tirar qualquer som, uma vez que dava, com certeza, para ouvir da cabine dele a algazarra que aquele povo desclassificado fazia. Por fim, aquele lixo acabou e o motorista tirou o DVD, mas colocou um som ambiente durante o resto da viagem: Milionário e José Rico.

Bem. Nada contra Milionário e José Rico, que eu considero sertanejos autênticos, sertanejos de primeira hora, como eu já escrevi alhures, mas, ainda assim, não é toda hora que eu estou a fim de ouvir sertanejo autêntico. Ainda mais depois de ouvir todo aquele lixo antes.

Quando, finalmente, desci na Rodoviária de Goiânia, fui falar novamente com o motorista sobre aquilo que aconteceu no ônibus e ele voltou a dizer que só colocou porque “todo mundo” gosta. Não custa imaginar que esse sujeito se coloque no meio desse “todo mundo”. Como eu insistisse na reclamação, ele saiu com a seguinte pérola: “Então você pegou o ônibus errado!”

...

Infelizmente, eu devo discordar do Presidente Lula, quando disse que “o melhor do Brasil é o brasileiro.” Acho que o melhor do Brasil é o seu território. Fico com o piadista:

“Quando Deus criou a Terra ele a mostrou para seus anjos e arcanjos, explicando como seria povoada. Ao fim da explicação, um dos arcanjos disse:

- Mas, Senhor. Como pode? Vede bem: a Rússia vai ser o maior país do Mundo, mas a maioria das terras não poderão ser cultivadas devido ao frio; a China vai ter o segundo maior deserto do Mundo e toda cheia de montanhas; não dá para cultivar muita coisa; o Canadá é a mesma situação da Rússia; os Estados Unidos vão ter o Alaska da mesma forma, fora o deserto de Nevada e as Montanhas Rochosas. Já o Brasil... o Brasil vai ter a maior área de terras cultiváveis do Mundo, ouro pra dar com o pau, minérios, a maior reserva de água doce, fora o petróleo que vão achar no fundo do mar. Como vós explicais isso?

E calmamente, Deus respondeu:

- “Você precisa ver o povinho que eu vou botar ali...”

Esse é o “povinho” que habita essa terra maravilhosa. E não me venham dizer que é a minoria. Não é, não! Quem ouve esse tipo de porcaria não tem o mínimo senso de limite, de respeito! Prova disso é este fato que eu narrei.

Quem já não passou pela experiência de ter de estudar, ou ter alguma criança pequena em casa necessitando de dormir, ou algum idoso que precisa de repouso, e cujo vizinho coloca o som na maior altura com a desculpa que “eu estou na minha casa!” Acontece que o som do imbecil está entrando na sua casa! E se você vai reclamar, corre até o risco de ser insultado, agredido ou coisa pior! Ou não?

Infelizmente, esse é o retrato do Brasil. Para quem pode, a solução é mudar-se para o exterior, para um Estados Unidos, ou França, ou Suíça, ou Irlanda, ou algum outro lugar onde as coisas funcionem. Onde o seu direito mínimo de descansar num final de semana depois de uma semana “puxada” de trabalho vai ser respeitado. Onde o seu vizinho nem vai colocar o som mais alto porque sabe que O SEU DIREITO COMEÇA ONDE TERMINA O DELE. E vice-versa.

Assim é. Eu bem que gostaria de me mudar do Brasil. Sentiria saudades imensas da terra. E essa baboseira da maioria das pessoas que emigram e voltam depois dizendo que tem saudades do “calor” do povo brasileiro não me afeta nem um pouco. Tenho um amigo que morou algum tempo no exterior e diz que gostaria de voltar e morar lá definitivamente. E qualifica esse negócio de “calor” como bobagem. Ele prefere, como eu, um lugar onde as coisas funcionem. A começar pela Justiça, a começar pelo Direito.

Eu penso que me daria bem no exterior, sim. Afinal, uma coisa que eu valorizo muito é a discrição. E esse povo não sabe o que é isso. Berram, xingam, ofendem... e não se constrangem nem um pouco! E não me venham com essa coisa de que eu sou fascistóide ou coisa que o valha. Eu não tenho cara de eleitor típico de FHC ou Serra. Muito pelo contrário. Apóio o Governo do PT pelos avanços sociais que promoveu, justamente para esse povo mal-educado e sem princípios. Gostaria apenas que ele avançasse na escala intelectual, cultural e moral. Porque, segundo esse mesmo povo, “todo mundo” no Congresso Nacional é corrupto. Todavia, esse “todo mundo” corrupto saiu desse “todo mundo”, esse mesmo povo, que votou neles.

Obviamente, eu acredito que existam pessoas decentes. Desculpem-me se eu me coloco entre elas. Mas é justamente por eu ter noção de limite, de respeito, e sei que o meu direito termina onde começa o do meu colega, do meu vizinho, do meu semelhante, enfim, que eu me coloca nessa minoria. Talvez seja por isso que eu não tenho ambições políticas. Acho que os políticos do Brasil estão de bom tamanho para o povo do Brasil.

Enquanto isso, para “todo mundo”, aqueles que não estão satisfeitos, que procurem outro caminho. Eu, por exemplo, gostaria muito de morar na Irlanda. Como não tenho condições, vou tendo de aturar gente do mesmo tipo daquela de dentro daquele ônibus. Aturar o “povinho” que foi posto aqui. Seria interessante que, quem ler isso, passe adiante. Por razões óbvias, não acho que vá produzir qualquer efeito. Ainda que isso tudo seja gritante, o imbecil que coloca esse tipo de som na maior altura, seja em casa, seja no carro, ainda vai continuar acreditando que ele tem razão e vai continuar fazendo isso! Afinal, no Brasil, o direito da Força se sobrepõe à força do Direito. E se você não tem a quem recorrer, o que você pode fazer? Mudar de residência.

Só pra fechar, relatei esse fato à tal Empresa há mais de uma semana. Não deram resposta. Certamente, quem leu a reclamação faz parte de “todo mundo.”