domingo, 18 de dezembro de 2011

Lembrando 2006 (2)

Saímos de São Miguel do Araguaia com a Kombi cheia. Éramos 3 árbitros de xadrez, 6 árbitros de futsal e duas funcionárias da AGEL na frente com o motorista. De todos aqueles, quem eu conhecia eram as duas funcionárias (não vou citar nomes por motivos óbvios), com quem eu já havia cruzado em outras etapas ao longo daqueles 5 anos de Jogos Abertos.

Pouco menos de uma hora após pegarmos a estrada, o motorista perguntou se queríamos parar num posto para comermos e abastecer o veículo. Concordamos todos e paramos num posto simples, mas acolhedor e fizemos. Voltamos para a Kombi e ficamos esperando que as duas funcionárias voltassem, já que tinham entrado na loja de variedades anexa ao restaurante e lanchonete.

Finalmente, as duas retornaram e antes de entrarem na Kombi, uma delas virou-se para o motorista e disse: “Olha o que eu comprei pra nós “ouvir” na viagem: Gino e Geno, Daniel, Banda Calypso e Bruno e Marrone!” Imediatamente, eu me virei para o Renato e sussurrei: “Eu não acredito que esse pessoal vai colocar esse lixo na viagem.” O Renato disse: “Fica frio.” Acontece que não dá para ficar frio com aquilo no ouvido.

Nas 5 horas seguintes eu fui agredido e massacrado com aquele lixo. Desde o momento em que eu manifestei meu desconforto, seria natural em pessoas com um mínimo de princípios, perguntar se o som estava incomodando e, em caso de uma resposta afirmativa, retirar o que se estava tocando. Todos ficariam satisfeitos, uma vez que quem quer ouvir seu som preferido pode faze-lo em casa.

Todavia, aquelas duas imbecis, ao notarem que eu estava incomodado, fizeram questão de manter, quando não aumentar, o volume do som e soltavam sonoras gargalhadas com o meu descontentamento. A certa altura eu comecei obviamente, a xingar, não nego, ainda que baixo, para ver se aqueles duas cavalgaduras notavam que estavam passando dos limites. É claro que isso não funcionou. Acho que aquelas duas mentecaptas se julgavam as verdadeiras paladinas da música brasileira!

Pois bem. Tive de ouvir aquele lixo durante as cinco horas de viagem. Relembro o naipe dessa porcaria: Bruno e Marrone, Calypso, Gino e Geno e Daniel! Como já disse anteriormente, respeito Daniel pelo passado em fazenda. Gino e Geno têm história na música sertaneja autêntica, mas não fazem meu gosto. Os outros estão aí, simplesmente, para faturar (alto) encima das mentes simples, estúpidas e simplórias. No entanto, não paro para ouvir isso. Eu cresci à sombra dos Festivais da Canção da Record, quando uma música tinha de dizer alguma coisa ao intelecto, quando a música era um veículo de resistência à Ditadura Militar, quando as letras das canções tinham de ser suficientemente sutis para driblar a Censura. E aquelas tontas nem tinham nascido quando a Democracia voltou!

Por fim, chegamos em Goiânia e, ao descer, da Kombi, uma outra daquelas figurinhas chegou-se a mim e disse, com toda a “autoridade”: “Você tem respeitar as pessoas! Falando assim, você ofende as pessoas”.

EU OFENDO AS PESSOAS!!! Eu ser massacrado, ofendido e agredido por cinco longas horas não é ofensa! Mas eu xingar por estar sendo obrigado, num ambiente fechado, a ouvir uma coisa de que eu não gosto é ofensa! Talvez, alguém vai querer dizer: “Mas isso é Democracia. Se a maioria quer, você tem de ouvir.” Para esses medíocres, eu digo o seguinte: se um grupo de 10 ou 12 bandidos (marginais mesmo ou “rapazes de boa família”) se une para espancar um outro sujeito indefeso, apenas para exemplo, este indivíduo deve se sujeitar só porque os outros estão em maioria? Isso é Democracia?

O meu direito termina onde começa o de outro, e vice-versa. O direito daqueles desclassificados de ouvir o seu lixo terminava onde começava o meu direito de não ouvir. Eles tem o direito de ouvir, sim: no raio que os parta! Não na minha presença!

Para quem faz parte dos 33 milhões de brasileiros que, ainda que leiam, não entendem o que lêem, as palavras de Zé Ramalho são ininteligíveis. Para os que alcançaram um certo status intelectual, o que ele escreveu faz todo sentido: “Êh, oh, ôh, vida de gado/Povo marcado, êh/ Povo feliz.” Mas, não é? Panis et circensis, como diziam os romanos. Comida e espetáculo, este último, uma porção de mulheres e homens seminus se contorcendo num palco, para disfarçar a falta de conteúdo do que é berrado ou chorado por uma dupla de espertinhos de famílias ricas, vestindo roupas caras, botas e chapéus de couro, dizendo-se sertanejos! E tem gente que acredita!!! Ô, vida de gado!

Voltando à questão do respeito, inútil também dizer para esse pessoal que respeito é uma via de mão dupla: se o respeito vem, o respeito vai. Se não me respeitam, que direito tem de cobrar respeito? É outro conceito que o povinho que Deus pôs aqui não vai entender nunca. Quando se sabe que está incomodando e não se constrange, é porque se não tem princípios.

Por fim, a posteriori, eu soube pelo Renato, que era e ainda é o Coordenador de Xadrez dos Jogos, que a AGEL tinha pedido junto a ele a minha dispensa da arbitragem. Naqueles dias, eu estava sem um emprego fixo e, obviamente, o cachê de árbitro era um reforço interessante no meu orçamento, não nego. Seria uma “punição” por eu ter xingado os colegas, primeiro no ônibus, depois na Kombi. O Renato apenas respondeu que eu era o melhor árbitro da Federação (depois dele, claro, que é Árbitro Internacional da FIDE) e que ele não iria abrir mão da minha experiência e competência.

Quando eu cito a AGEL, eu quero dizer que, quando se coloca alguém num cargo de mando em qualquer empresa ou instituição, essa pessoa responde por esta entidade. Não me importa o nome da pessoa que pediu a minha cabeça ao Renato. Eu nem perguntei. A única coisa, para mim, que fica é que a AGEL chancelou as atitudes daquelas pessoas do ônibus e da Kombi. Que, afinal, eu estava de carona no ônibus e na Kombi, já que os demais tinham mais direitos que eu.

Nenhum comentário: