Após a travessia, os dois continuaram sua rotina. Às vezes era
uma mata fechada, outras uma savana, outras uma mata rala. Todavia, cruzavam
sempre com trilhas de índios. Algumas vezes chegavam a avistar alguns e, então,
ficavam imóveis.
Ramiro descobriu que o tempo exposto ao sol fizera com que as
peles que lhes cobriam os corpos e os banhos mais freqüentes devido à
abundância de água tinham amenizado muito o fedor de seus corpos e já não
corriam tanto perigo quando da primeira vez que viram os nativos depois de
Martírios.
Ramiro tinha definido que deveriam seguir algum tempo para sudeste,
sabendo que em algum lugar ali deveria ficar o arraial do Duro (*). Só não sabia a quantos dias de caminhada. Do mapa do
garimpeiro, ele já nem se lembrava mais.
Após algumas semanas chegaram ao sopé de uma serra que se
estendia para norte e sul a perder de vista. Ramiro apontou para o alto.
– Vamos subir. O Duro deve ficar a sudeste. Chapada fica a
sudoeste, mas eu não me lembro quem está mais perto. Prefiro ir na direção do
arraial do Duro. Então, se formos contornando a serra acabamos voltando para o
rio ou passamos direto pelo único lugar que deve ter algum branco morando.
Tomé nada disse. No meio das árvores esparsas, onde o facão era
dispensável, ambos foram subindo o ligeiro aclive, agarrando-se aos troncos
mais finos de árvores pequenas e alcançaram o cume da serra e viram-se no alto
de um planalto imenso, do qual se destacava um ou outro morro ao longe, vales
que recortavam o relevo irregularmente.
Os dois sentaram-se num lugar elevado para admirar a paisagem, enquanto
aquilatavam o trabalho que ainda tinham pela frente. Onde, em meio àquela
imensidão verde-amarelada, haveria um povoado no qual poderiam descansar e
seguir depois, seguramente, para suas casas? Sem resposta, colocaram seus
fardos às costas e seguiram em frente.
***
Depois de alguns dias seguindo para sudeste, Ramiro determinou
que deveriam seguir sempre para o sul dali por diante. Com alguma sorte,
poderiam chegar a alguma estrada feita por brancos e que conduzisse a um
povoado qualquer, fosse qual fosse.
O cardápio dos dois homens variava a cada dia. Sem noção de
tempo, não sabiam em que estação estavam. Já não chovia fazia dias, mas não
tinham condições de saber se era inverno, ou primavera, uma vez que as noites
eram de temperatura amena, com os dias de calor infernal.
Uma vez, andaram por alguns dias sem encontrar água. A reserva
que tinham acabou-se pelo segundo dia e a esperança de acharem algum ribeirão
pela frente não se confirmou. Assim, caminharam sob o calor escaldante da
região sem acharem uma só gota.
Ao final do segundo dia sem água, ambos estavam exaustos e
procuravam em cada fresta de vegetação avistar algum brilho que pudesse
significar a presença do líquido essencial. Mas, nada! Tudo o que viam era um
verde que lhes parecia tedioso, mas que em outras circunstâncias, seria
maravilhoso. Insetos circundavam-nos o tempo todo. Com o peso do ouro, cada
passo era uma batalha vencida.
Caminhavam dificultosa e desanimadamente, quando Tomé ergueu a
cabeça ligeiramente.
– Capitão! Vosmecê está escutando?
– O que, Tomé?
O mineiro não disse nada apenas escutava. Por fim, apontou para
um lado.
– Por ali.
Tomé foi afastando os galhos e Ramiro, que em princípio nada
ouvira, agora escutava claramente. Deixando o ouro para trás, os dois venceram
algumas dezenas de metros para sair num local que era a visão do céu.
Despencando de uma altura de várias dezenas de metros, uma
queda d’água descia do alto de um rochedo encravado na serra, formando um poço
na base da pedra.
Os dois homens não pensaram duas vezes. Correram até ali e
saciaram a sede torturante. Depois, tiraram suas roupas improvisadas e
mergulharam na água fresca e revigorante.
Sentiam que a Natureza dava-lhes uma trégua. Era tudo o que
precisavam. O poço era bem melhor que qualquer simples riacho no qual se
banharam nos últimos meses. Deram-se ao luxo de ficar ali até o fim do dia.
Retornaram até o local onde ficara o ouro, levaram-no até a cachoeira e
dormiram até o dia seguinte, consolados e ninados pelo som da altíssima
cascata.
(*)
(Dianópolis-TO)