quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Reforma Ortográfica

Está chegando aí a Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa! Para nós, escritores, e também para os educadores vai ser um suplício. Acostumarmo-nos a essas novas regras vai levar tempo. Talvez daqui a alguns anos estes meus pontos de vista tenham sido superados e se tenha provado que eu estava errado. Mas, em minha opinião, isto é uma grande bobagem. O Brasil deveria aprofundar suas diferenças em relação à língua portuguesa na criação de uma língua nacional, genuinamente brasileira, uma espécie de “língua geral”, como a que existiu no Brasil Colônia. Afinal, quando ouço uma entrevista de um português, às vezes, mal consigo entender o que fala!
Volto a dizer, em minha opinião, é uma bobagem. Por que retirar alguns acentos de algumas palavras, mudar a grafia de outras e mais outras coisas, simplesmente para que todos os que falam português no Mundo possam falar da mesma forma? Foi a partir do Latim que se formaram as línguas latinas nacionais: italiano, francês, espanhol, português, romeno... não me lembro de outras. Se isto aconteceu há centenas de anos, por que não assumirmos que queremos falar a “nossa” língua nacional, brasileira, derivada sim, do português, mas uma língua nossa?
Se não é assim, vamos adotar as mesmas palavras que os protugueses usam aqui no Brasil? Quem sabe as mulheres venham a usar cuecas enquanto os homens usam calçolas? Ou eles adotam as nossas cuecas para os homens e calcinhas para as mulheres? Eu trabalho muito bem com o mouse, obrigado. Será que daqui a alguns tempos vou ter de trabalhar com o ratão?
Por favor! Nós já temos problemas demais no nosso dia-a-dia para nos preocuparmos com mais esse. Eu acho que o Governo bem poderia adotar medidas muito mais populares e pertinentes do que obrigar-nos a reaprender a escrever. Como abolir o horário de verão, por exemplo. A quantidade de mortes e agressões, especialmente a mulheres e meninas nas primeiras horas da manhã, quando vão sozinhas para a escola ou para o trabalho, não compensa a “economia de energia de uma cidade como Brasília durante um mês” (já repararam que é sempre a mesma coisa?)
Se é para unificar, ressuscitemos o Latim e todos falaremos a mesma língua. Seriam proibidos neologismos (que enriquecem a língua) e ad eternum falaríamos Latim.
Hoje, o Brasil possui a língua mais rica, mais sonora, mais versátil do Mundo. Se uma turma de burocratas quer que abramos mão dessa riqueza construída a partir de contribuições do português, das línguas indígenas e negras, do árabe, e das de todos aqueles que escolheram este país para morar e ajudar a construir (na língua inclusive), por que devemos ficar alheios a isto. Não seria hora de dizermos aos outros países: “obrigados pela sua contribuição, mas daqui para frente nós assumimos a nossa navegação.”?Não tenho nada contra os portugueses (lembro um quadro do Programa do Jô, nos idos dos anos 80, quando a Bo Francineide dizia apontando para a Henriqueta Brieba: “Eu nasci dela!”); grande parte de nossa cultura veio deles. E todos os povos são irmãos, eu creio nisso. Entretanto, volto a dizer, o Brasil deveria aprofundar as diferenças, não eliminá-las, para podermos criar a nossa língua nacional nas próximas décadas.

Excesso de Bagagem 1

Quando estive de férias em Itanhaém em meados de outubro passado, tive a oportunidade de rever meu caríssimo amigo Rubens (amigo desses que se contam nos dedos de uma mão, e não “amigo” daqueles que chegam e passam pela vida da gente, muitas vezes sem deixar vestígios) e passar um dia inteiro em sua casa em Santos.
O Rubens é Mestre Internacional de Xadrez, escritor como eu, além de uma das maiores cabeças pensantes que eu já conheci. Talvez sejam estas algumas das razões que o fazem um de meus melhores amigos.
Conversamos muito, pois fazia muito tempo que não o via pessoalmente, e trocamos inúmeras idéias sobre variados temas. Naquela oportunidade, ele me apresentou Gossage e Verbedian, um hilário texto de Woody Allen a que ele já tinha se referido e que eu pude ler pela primeira vez. Recomendo o mesmo para todo enxadrista, aficcionado ou profissional. Basta digitar Gossage e Verbedian no Google que quase qualquer site tem o texto.
Pois bem. Num determinado momento, ele me disse que pretende escrever um romance, mas que ainda estava em fase de preparação do mesmo e queria embasar bem o novo texto. Afinal, seria seu primeiro romance, já que até aqui ele tem escrito mais obras de xadrez e crônicas. Ele então disse que, para mim seria mais fácil escrever romances, pois já tinha escrito dois. Eu retruquei que não era bem assim, já que ele tinha suficiente bagagem cultural para escrever facilmente um romance. Ele riu e falou: “Eu diria excesso de bagagem. Este é o problema! A gente paga por isso.” Eu ri muito desse trocadilho.
Todavia, de volta a penates, fiquei meditando sobre estas palavras e vi que isto era muito mais profundo que parecia à primeira vista.
De fato, quando você se arruma para uma viagem, naturalmente prepara sua bagagem. Dependendo da distância que vai percorrer, você leva mais ou menos bagagem. Assim, para viagens longas, distantes, você leva muito mais coisas do que para fazer um percurso curto. Quando se trata de viagem aérea, especialmente, você paga pelo excesso de bagagem. Mas se, obviamente, você vai mais longe, sempre compensa, não importa o quanto você pague. Já determinadas pessoas preferem não pagar excesso de bagagem, uma vez que não vão a lugar nenhum, quando muito para um lugar muito próximo. Neste caso ela vai de bicicleta, ou de moto, ou de carro.
O que existe de profundo é a conotação que isto tem com a vida, a jornada na Terra de qualquer indivíduo. Quando o sujeito se decide por ir mais longe, ele procura os meios de fazê-lo. Neste caso, a Cultura. Uma vez, numa dedicatória de um livro a uma amiga, eu escrevi: “A Literatura é um barco que nos leva aos confins do Mundo.” A Cultura (não confundir com Cultura Popular) é a base de distinção dos indivíduos. Que me perdoem os que não a têm. Ela é a bagagem a que me refiro. Quanto maior a bagagem cultural do indivíduo, mais longe ele vai.
Todavia, os que a têm pagam um preço, geralmente alto, por tê-la e ir mais longe. O preço é ser visto como um ‘inimigo’ por aqueles que não a têm. Assim, nós sofremos todos os dias com a falta de educação e cultura da grande maioria das pessoas.
Por exemplo: música sertanoja. Meu Deus! Os que gostam “disso” cobram-nos o respeito pelo gosto deles, mas a recíproca não se aplica! Eu saio de casa e tem sempre um imbecil com o rádio do carro ou de casa com o volume a mil num som desses! Não estão nem um pouco preocupados em respeitar aqueles que detestam esse tipo de coisa. Cobram respeito quando não têm a mínima noção do que seja isto. Não que eu não goste de Música Sertaneja. Trabalhei em rádio por 17 anos e eu sei o que é Música Sertaneja. Não é isso que tem por aí, não. Eu não gosto é de páraquedista. Um pessoal que não tem a mínima raiz no campo e se diz “sertanejo”. Ah, por favor!

Excesso de Bagagem 2

Vai aqui uma pequena lista de cantores sertanejos que eu respeito: Sulino e Marrueiro, Pedro Bento e Zé da Estrada, Tonico e Tinoco, Mensageiro e Mexicano, Belmonte e Amaraí, Caçula e Marinheiro, Zé Carreiro e Carreirinho, Tião Carreiro e Pardinho, Zé do Rancho e Zé do Pinho, Nestor e Nestorzinho.... e por aí vai. Do pessoal novo, que eu respeito pelo fato de terem raiz sertaneja mesmo: Zezé di Camargo e Luciano, Chitãozinho e Xororó, Christian e Ralf (que fizeram um ótimo disco de moda de viola no início da carreira), Leandro e Leonardo, Daniel (não gosto do repertório, mas reconheço que é sertanejo), Milionário e José Rico (que não são novos nem um pouco... rss), Chico Rey e Paraná, Valderi e Mizael (onde andam?), Matogrosso e Mathias... e os anteriores a esses últimos... Juliano e Jardel... sei lá. Estes são sertanejos.
Os mais novos, até que provem o contrário, são páraquedistas, moços de famílias urbanas que cantam esse negócio aí pra faturar alto encima daqueles que... não têm bagagem! Ou seja, assim se fecha o ciclo: esse pessoal gosta desse tipo de coisa porque não tem bagagem ou não tem bagagem porque gosta desse tipo de coisa?
Eu já disse aqui que fui criado à “sombra dos festivais”. Não dá pra engolir isso que tocam em rádio hoje em dia.
Meu irmão disse recentemente uma frase muito interessante: “Não dá pra entender um país que tem um Chico Buarque perder tempo com música sertaneja.” Realmente, muitos países gostariam de ter músicos como o Chico, Tom Jobim, Milton Nascimento, Caetano, Carlos Lyra, João Gilberto... O Brasil tem esses e muitos mais e só ouve... música sertaneja. Mas para quem não tem horizonte, para quem não vai a lugar nenhum, para que gostar desses grandes nomes da MPB. Tem mais é de gostar mesmo de Bruno e Marrone (olha os nomes!), Rick e Renner, Banda Calypso, Edson e Hudson, Vítor e Léo... Meu Deus!
E asssim, aqueles que têm excesso de bagagem vão indo. Seu horizonte é imenso. Viajam para Paris, Londres, Berlim, Moscou, Carcassonne, Colônia, Toulouse, Barcelona, Madrid, Kiev, Minsk, Praha, Lisboa, Cartagena, Buenos Aires, Córdoba, Granada, Bordeaux, Estrasburgo, Colmar (Uau!), Oslo, Leipzig... o Mundo todo. Pelos livros. Já aqueles que passam toda noite e finais de semana em botecos têm o horizonte limitado pela calçada da mesa em frente. Nas férias, o máximo que conseguem ir é até Caldas Novas! Não que seja um destino ruim, mas é muito perto. Não é necessário excesso de bagagem. E quando ganham um dinheiro numa loteria da vida (afinal, têm um salário de sobrevivência), adivinhem para onde vão?...Tchan-tchan-tchan... Nova York! Ou Miami! Afinal de contas, são as únicas cidades de que ouviram falar. Ficam ricos de dinheiro e continuam pobres de espírito. Não lêem, não se informam... e continuam ouvindo esse negócio aí.
Já os que lêem, viajam, como já disse, sem tirar os pés de casa. A Literatura os conduz aos confins do Mundo. E quando ganham um dinheiro, seja trabalhando (economizando. Afinal ganham pelo um pouco mais do que o suficiente para sobreviver) ou numa loteria da vida, procuram outros rumos: França, Alemanha, Inglaterra, Europa enfim, ou Egito, ou Japão. Conhecer outras culturas. Afinal, é turismo cultural. E pagam pelo excesso de bagagem: são caluniados, agredidos de várias formas (sonoramente é uma delas, às vezes fisicamente), são humilhados. Que fazer? Lamentar. Afinal, os que não lêem, os que vivem nas trevas da ignorância não vêem mesmo um palmo à frente do nariz.

Educação e Humanismo

A cada homem e mulher está colocado o desafio da Humanização. O Homem tem, em sua base, os valores repassados, num primeiro estágio, pela família, num segundo, pela comunidade em que vive, e, a partir daí, dos vários segmentos que o cercam.
Não há como se exigir de cada ser humano o mesmo comportamento frente à realidade. Uma pessoa, criada dentro de um ambiente familiar culto e bem estruturado financeiramente, tem uma visão de Mundo diferente da de um outro, nascido longe de um mínimo de conforto e educação. O conceito de cidadão não pode aplicar-se da mesma forma a um e outro! Este processo, em nossa sociedade, vem desde que a Educação foi sugerida como forma de prover uma bagagem mínima de cultura a cada ser humano.
Em seu texto Educação após Auschwitz, o educador alemão Theodor Adorno vê a Educação como forma de se evitar a barbarização da sociedade. Esta barbarização seria a repressão aos valores inerentes à Humanidade, tais como respeito, dignidade, tolerância, etc.. A Educação teria o papel de desenvolver uma auto-reflexão crítica em cada indivíduo. Esta seria a capacidade de discernir-se os limites de comportamento, sem ferir aqueles valores, que são direitos intrínsecos de cada ser humano.
Citando o livro O Estado da SS, de Eugen Kogan, Adorno refere o fato de que os carrascos e carcereiros de campos de concentração nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, eram, em sua grande maioria, nascidos e criados em aldeias e áreas rurais da Alemanha e dos países ocupados, onde a educação formal era deficiente, longe dos grandes centros onde se ministrava uma educação mais eficaz. E sugere como antídoto à barbárie (no sentido de desumanização) que a Educação seja levada a todas as pessoas, em todos os lugares, com os meios que sejam necessários e possíveis.
A Educação esteve nas mãos da Igreja Católica desde a queda do Império Romano e teve um caráter eminentemente religioso até a Idade Média. A posse da informação e da cultura deu à Instituição o poder supremo sobre toda a Civilização Ocidental durante aquele período. Com a Reforma Protestante, liderada por Martinho Lutero, as pessoas foram incentivadas a ler, particularmente a Bíblia, o que era proibido pelos cânones católicos. Para ler-se é necessário educar-se. A partir daí, a Educação começou a ser vista como necessidade à população em geral. Escolas foram criadas, mas dentro de certos limites, e oferecidas ao povo.
Com o evento das Grandes Navegações, expandiu-se, também, a concepção de Mundo. O Teocentrismo deu lugar ao Antropocentrismo e o Homem passou a buscar novos rumos, a trilhar novos caminhos. Um eco disto está nas colônias inglesas da América, protestantes, que originaram sociedades bem educadas e seus reflexos podem ser observados nos dias de hoje, como nações desenvolvidas.
Em adendo, vê-se que, hoje, uma maior especialização é exigida de trabalhadores. Empresas, públicas ou privadas, exigem, cada vez mais, profissionais com formação superior. Em uma fábrica de automóveis, por exemplo, um soldador, que anteriormente pregava rebites ou aplicava soldas na junção de placas, hoje, deve saber operar uma máquina que faz o mesmo com maior eficiência e rapidez, mas cujo manuseio exige um conhecimento mínimo de sua operação.
E isto exige Educação. Quem não se ajusta a esta realidade, passa a fazer parte daquela legião de excluídos, desempregados ou subempregados. A educação escolar deve ter a função, antes de mais nada, de formar cidadãos. O conceito de cidadania sugere um ser humano com uma educação formal que lhe permita a inclusão no mercado de trabalho, na sociedade, no Mundo, em iguais condições que qualquer outro.
Em síntese, é necessário que o Homem se eduque, pois o conhecimento é libertação, seja o conhecimento da verdade, seja o conhecimento da versão de cada um. Educação é libertação e Liberdade é um conceito humanista. Concluindo, pode-se dizer que Educação e Humanismo são irmãos e andam de braço dado.