quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A canção no cinema brasileiro dos anos 80

Para se entender as influências que marcaram o cinema brasileiro dos anos 80, é preciso saber em que contexto elas surgiram. O Brasil entrava na fase da redemocratização depois de quase vinte anos de Ditadura Militar. Apesar de frágil, a recém reconquistada Democracia poderia suportar uma releitura daqueles anos de chumbo. Assim, numa poderosa vertente da música brasileira, a MPB, compositores engajados com a luta contra o antigo regime, despontaram nas composições de trilhas de filmes que faziam uma releitura dos anos 60-70.

O documentário Jango, de Sílvio Tendler, por exemplo, traz uma jóia da MPB, Coração de Estudante, de Wagner Tiso e Milton Nascimento. Seguindo o sucesso de Bye, Bye Brasil, de Cacá Diegues, do final da década anterior (1979), Chico Buarque assinou a trilha sonora de Ópera do Malandro, de Ruy Guerra (1985), adaptação da Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. Ainda, Eu te amo, de Arnaldo Jabor (1981), que Chico assinou em parceria com Tom Jobim. Este ainda fez a trilha sonora de Gabriela, longa de Bruno Barreto (1982), com a notável “Modinha para Gabriela”, na voz de Gal Costa. Tom e Vinicius de Morais fizeram o clássico da MPB, “Eu sei que vou te amar”, que foi tema e título do filme de Arnaldo Jabor de 1984. Caetano Veloso também teve uma boa participação em obras como Tabu, de Júlio Bressani, Índia, a Filha do Sol, de Fábio Barreto e Dedé Mamata, de Rodolfo Brandão. Mesmo Glauber Rocha com A Idade da Terra (1980), teve em sua trilha a música O Amanhã, de João Sérgio, imortalizada na voz de Simone, bem como a sonoridade dos sambas-enredo e do candomblé, recorrentes na obra do diretor. O filme de Glauber ainda se encaixa perfeitamente na categoria de cinema experimental, com sua mistura de gêneros: documentário, representação alegórica, lembrando os procedimentos do “udigrúdi”; forma sincrética de pensar o Brasil como país periférico na decadência do imperialismo.

Talvez, a vertente mais forte no cinema brasileiro tenha sido a do rock. A influência da música norte-americana no mercado fonográfico brasileiro, em especial devido às telenovelas, tornou o gênero uma espécie de hino da juventude. São vários os filmes que tiveram em suas trilhas canções derivadas dessa corrente, que se tornaram grandes êxitos nas rádios e programas de televisão:

i) Menino do Rio (1981), de Antônio Calmon, e a canção “De repente, Califórnia”, composição de Lulu Santos e Nelson Mota;

ii) Garota dourada (1984), do mesmo Antônio Calmon traz uma série de sucessos das paradas musicais: “Como uma onda”, de Lulu Santos, “Romance e aventura”, composição de Nelson Motta e Lulu Santos, “Baby, meu bem” e “Menina Veneno”, do roqueiro Ritchie;

iii) Bete balanço (1984), de de Lael Rodrigues, teve a canção-título composta por Cazuza e interpretada pelo Barão Vermelho;

iv) Rock estrela (1985), também de Lael Rodrigues, com Leo Jaime, autor da canção-título, e Areias escaldantes (1985), de Francisco de Paula, que traz seleção musical de Lobão, com canões de Ultraje a Rigor, Ira, Titãs, Capital Inicial e Metrô, entre outros;

v) Dias melhores virão (1985), de Cacá Diegues, com trilha musical e canção-título de Rita Lee e Roberto de Carvalho;

vi) Além da paixão (1985), de Bruno Barreto, traz o hit “Fullgás”, de Marina Lima e Antônio Cícero;

vii) Um trem para as estrelas (1987), dirigido por Cacá Diegues, mostra a desilusão da juventude urbana. A canção-título de Cazuza foi realizada em parceria com Gilberto Gil.

No campo experimental, cabe citação a Arrigo Barnabé. Em filmes como Cidade oculta (1986), de Chico Botelho, Estrela nua (1985), de José Antônio Garcia e Ícaro Martins, Vera (1987), de Sérgio Toledo, Lua cheia (1989), de Alain Fresnot, e A estória de Clara Crocodilo (1981), de Cristina Santeiro, ele mistura números musicais com narrativa policial, inspirada no imaginário das histórias em quadrinhos a partir de elementos transtextuais provenientes dos gêneros do cinema noir e do musical hollywoodiano.

Por outro lado, o gênero sertanejo tem início com Estrada da Vida (1980), de Nélson Pereira dos Santos, com a história da dupla Milionário e José Rico, ícones da nova tendência que este gênero assumiria. Apesar disso, ainda hoje o gênero sertanejo embala as trilhas sonoras de filmes específicos do gênero, bem como passagens de filmes de outros gêneros quando se quer salientar uma conotação ligada ao popular, devido à popularidade da música dita sertaneja em quase todas as camadas da população.

Portanto, podemos concluir que a grande tendência da canção no cinema brasileiro dos anos 80 é a disseminação dos instrumentos eletrônicos, com os sintetizadores, pela música brega e sertaneja e por uma revitalização do rock.

Assim, fica claro que a tendência da trilha musical em filmes brasileiros na década de 80, desde sempre, é aquela voltada para o grande público. Enquanto os filmes de arte e experimentais tendem a ter trilhas sonoras mais intelectualizadas, os filmes voltados para o mercado apostam nas tendências de momento. A juventude dos anos 80 foi chamada a Geração Saúde, com moças e rapazes com suas atenções voltadas para práticas desportivas, o que explica sucessos como Bete Balanço e Garota Dourada.

Com o advento do INTERNET e da explosão da “música sertaneja”, a juventude tornou-se mais sedentária e a Geração Saúde deu lugar à Geração INTERNET. Este veículo permitiu uma maior democratização do que se vê e se ouve, mas as grandes mídias ainda tem certo controle sobre o que se mostra, e a massificação do que é conveniente à ordem sistêmica ainda torna a informação, de certa forma, manipulada. Desta maneira, a juventude acredita piamente que tem uma opinião própria, quando na realidade é mera repetidora daquilo que a ordem estabelecida tem interesse em manter, o status quo. E a superficialidade da afirmação: “Eu gosto e gosto não se discute” permanece como um bordão que aqueles que não pensam, usam para defender a sua falta de opinião própria. Obviamente, quanto mais se sobe na escala intelectual, menos os temas vulgares e superficiais satisfazem. Assim, sobre uma sociedade mal preparada intelectualmente, é fácil àqueles que detém a informação imporem suas opiniões. E a sociedade segue como gado, tangida pela mão daqueles que ela mais deveria temer e evitar.

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